Festa de Reis na Pedra


JORNAL DE ARCOVERDE n.311 – Setembro/Outubro de 2019


Festa de Reis na Pedra

Pedro Salviano Filho


Folia de Reis, Reisado ou Festa de Santos Reis, é uma manifestação católica da Epifania e, em nossa região, há muito tempo, tem na cidade da Pedra sua mais destacada comemoração da adoração dos Magos ao nascimento de Jesus Cristo. Na web encontramos muitas informações sobre estas festas (ex. tinyurl.com/yxzex2x3 ; tinyurl.com/y37ok8jk ).
Nos últimos anos as festas têm tomado um novo estilo (https://bit.ly/2yObDpm ; tinyurl.com/y6y7cntn ; distanciando da tradicionalidade. A moradora da Pedra, Sra. Vera Vaneide, resume seu descontentamento: “ Não existia palco de cantores na minha época de moça nova!!  A festa de Reis era mil vezes melhor! A festa tradicional não acontece mais. Agora virou uma festa política! Perdeu totalmente a graça!!”
Além de percorrer a história das afamadas festas de Reis na Pedra, em diversos periódicos e livros, acrescentamos  aspectos turísticos e históricos (ver também https://bit.ly/36a1JdH )


06-01-1898 - Diario de Pernambuco. https://goo.gl/WLC7Xy - 2ª coluna : «[…] É a festa de Reis uma sequência da festa do Natal, e no dia 6 de janeiro fecha-se o belo ciclo de expansões e alegrias em torno do berço glorioso do cristianismo. Alegrias que virão ser sucedidas por um pungente quadro de dor definido pela páscoa e, nesta ocasião reproduz-se a antítese da vida e da morte, do berço e do túmulo. Explicar, definir todos estes contrastes, criar os esplendores da mocidade sobre a velhice do mundo, estabelecer a grande síntese pelo círio ardente da fé, foi esta a missão do cristianismo.[…].”
10-01-1933 - Diario de Pernambuco.
goo.gl/VrbQL7 - 5ª col. - «Leia, pense e responda: De quando data a celebração da festa de Reis?
Desde a Idade Média, em certas igrejas consistindo na representação dum mistério característico.
15-01-1954 - Diario de Pernambuco,
goo.gl/AGYd9D - 2ª col. «Por José Firmo Cavalcanti (para o D.P.): […]Festa de Reis: - Com o brilhantismo costumeiro, realizou-se na noite de 5 do corrente, a tradicional e animada “Festa de Reis” desta cidade. Como sempre acontece, foi grande o número de pessoas que compareceu à mesma festa correndo tudo na mais completa calma, não se registrando uma prisão sequer.
27-12-1967 - Diario de Pernambuco,
goo.gl/mBnS8P - 1ª col. «Festa de Reis - Promete ser das mais animadas a Festa de Santos Reis no município de Pedra. Este ano, segundo notícias procedentes daquela localidade, as festividades prometem superar em animação as dos anos anteriores.
Vídeos
Festa de Reis da Pedra 2018
https://goo.gl/qLuBDG
Festa de Reis da Pedra 2019
youtu.be/0IPYYArJ7mM


Conceição da Pedra. Um retrato em preto e branco da aristocracia rural do Sertão pernambucano. Recife, 2005. Ricardo Japiassu Simões. pág. 41.
«João Raphael Japiassu, mais à esquerda, numa Festa de Reis na Pedra em 1930, ao lado de Neuza Peixoto Japiassu, filha do Coronel Antonio Japiassu, seguida de Maroca (Maria Japiassu Salviano), filha de Bárbara Japiassu Salviano e, por fim, à direita, o amigo Jorge Neiva.

Não se sabe exatamente quando iniciou a Festa de Reis na cidade da Pedra, que acontecia, inicialmente, na virada do dia quatro para cinco de janeiro. No século passado, o ex-prefeito Mardônio Alexandre Japiassu instituiu dois dias de festejos. Percebe-se, na foto, a elegância dos trajes, as mocinhas de saias curtas, mostrando as pernas. Puro requinte da moda recifense em pleno Sertão do Ipanema. Esta geração das Japiassu, que sempre mantinha contato com o Recife, estava a par das últimas tendências. O carrossel, como modelo de diversão, destacava-se na paisagem árida, com poucas barracas e poucas pessoas na rua, contrastando com o que se vê na atualidade. Observe-se que todos os homens da foto estão usando chapéu.». Mais:

Minha Cidade, Minha Saudade. Luiz Wilson, Recife, 1972. Pág. 118
«[…] Natal e Ano Bom, em Rio Branco, terminavam sempre com a “festa de Reis”, da Pedra. Ali a “barra era pesada”, na rua e ao redor do imenso lajedo que fica ao sul da localidade. Os chauffeurs não paravam o dia e a noite, levando e trazendo gente.
Eu não perdia a “festa dos Reis” da antiga fazenda do Cap. Manuel Leite da Silva. Tomava café com bolo, na casa de dona Babu, mãe de Marcos, Adelina e Amélia, e ia ver a dança um pouco mais adiante. Uma noite, já em minha adolescência, Neco e os “Independentes” tocaram, na Pedra, em uma dança, até as 3 ou 4 da manhã:
“Amor, não se zangue comigo
Amor, não mereço castigo”...
» tinyurl.com/y3hz4o9q

Memórias de um sertanejo. Antonio Galindo Viana. 2011. Pág. 88
«REIS - Na cidade da Pedra há mais de cem anos se comemora a festa de Reis no dia seis de janeiro. Nunca foi devidamente organizada, apesar de atrair muita gente. Foi a primeira festa de rua que conheci e achei bacana, sobretudo porque sempre reuniu muita gente. Raramente perdia, a não ser por motivos contrários a minha vontade. 
Ainda menino, quando não podia ir à festa de Reis, ficava com outras pessoas sentado no batente da porta de casa, vendo quem passava para a cidade da Pedra. No dia seguinte, logo cedo, eu ia olhar a matutada retornando da festa. As roupas passavam amassadas e a maioria das damas trazia na mão calos e calçados. Havia um suor desmanchando a pintura, uma cara de riso desdenhando do sono, um converseiro animado, misturado, cheio de novidades, um cochichado, uns olhos piscando, uns mistérios nas bochechas, coisas que não seriam contadas.
Quando eu podia ir, o que mais admirava era o carrossel do mestre Fio, vindo de Rio Branco. Movido de dentro por alguns homens, o carrossel encantava: uma viga, umas tantas hastes e os cavalinhos de madeira deliciando a gente, girando e girando, num passeio que não precisava ter fim. Os adultos pagavam o que eles mesmos chamavam rotação, pagavam a volta que a gente desejava só fosse ida. Junto ao mastro da bandeira ficava a orquestra, com um fole de oito baixos, uma zabumba, um reco-reco e um triângulo.
Tio Antônio Viana, durante o ano, ainda distante das festas de natal, de vez em quando me dizia: "Tonho, vá ao cercado, pegue meu cavalo, dê água e banho que quando for noite de Reis lhe pago uma corrida no carrossel". Prontamente atendia e ele cumpria o prometido, mas o que me pagava só dava duas voltas no carrossel. Durante as noites de festa havia forró na periferia da cidade e o baile da alta sociedade, na Prefeitura. Na época a iluminação pública era muito precária. Um gerador, chamado de gás pobre, vivia mais quebrado que funcionando. No tempo de festa o prefeito mandava chamar Argemiro em Lagoa de Baixo, hoje Sertânia, para consertar o motor. Até o motor já era motivo de atenção: o que é que disparava sua força, azeite, gasolina, querosene? Dava-se um jeito para que funcionasse nem que fosse só pela festa. Havia pouquíssimas lâmpadas, a festa era uma agitação na penumbra, mas o povo não dava importância, parece que entre a sombra e o claro aqueciam-se os estímulos, acostumado está o povo aos divertimentos à meia-luz.
» [...] . Pág. 91
«Meu pai chegou a adquirir um garrote, sem vê-lo, pois o animal estava no campo. Padrinho Inácio foi quem pagou a partilha que o meu pai jamais encontrou. Ficamos chateados por isso. . Certo dia, ao cair da tarde, chegou a nossa casa padrinho Inácio montado em seu cavalo melado. Eu e Sisinha soubemos da partilha naquele dia. Como estávamos magoados, combinamos uma traquinice. Perguntei se ela teria coragem de pedir a benção com o pé! Imediatamente, ela se aproximou dele, levantou o pé e pediu a benção. Minha mãe, que estava conversando com um primo que a visitava, estranhou a criança numa falta de educação pior que falta de ar, um erro, um defeito que precisava ser visto, entendido e corrigido em dura pena, aquela casa não tolerava esses modos. Pois sim, os meninos estavam tomando a bênção com os calcanhares, as coisas ficavam sem pé nem cabeça. Inácio, demonstrando muita civilidade e cortesia, ignorou aquilo e até achou graça.
O modelo de cidade que a gente tinha era a Pedra. Ali a gente podia encontrar criaturas como José Firmo Cavalcante, ilustre poeta, fundador em 1938 da Cooperativa Agropecuária, da qual foi gerente e de onde prestou serviços ao povo da Pedra. Também foi político respeitável, sendo eleito prefeito daquele município. Outro foi José Carlos Simões, que constituiu uma numerosa família, cujos filhos, sem exceção, também cultivaram grandes personalidades. Foi o primeiro tabelião que conheci e tinha uma grafia que eu admirava. Também foi prefeito. Nilo Siqueira, outra figura ilustre, escrivão na delegacia, dispunha também de vistosa grafia e demonstrava conhecimento em diversas áreas. Petronilo Tenório de Lima, advogado, juiz de paz, grande orador e bom político. Olegário Barbosa de Siqueira, meu sogro, foi coletor público concursado do Estado de Pernambuco. Naquela época, entretanto, o cargo era honroso e mal remunerado. As comissões pouco favoráveis exigiram do meu sogro que virasse barbeiro para sobreviver.
José Macambira Filho, comerciante equilibrado do ramo de estivas a varejo, foi prefeito da Pedra e amava .a política a ponto de gastar uma soma que quase o levou a falencia. Foi um dos primeiros a possuir um carro Ford 1927. Otaviano Wanderley Simões, comerciante e pecuarista, era a toda prova um homem de bem. Foi quem me deu a oportunidade de conhecer um balcão, onde dei meus primeiros passos de comerciário. Ele foi casado com D. Alice Japiassu Simões. A elegante senhora, de admirável personalidade, faleceu inesperadamente. Sua falta foi sentida principalmente pelos mais humildes que tinham por ela respeito e admiração. Artur Tenório de Lima, muito educado, era fotógrafo com quem fiz meu primeiro retrato, num lambe-lambe. Dei essa foto de presente a amiga Nesinha. Era tradição doar a primeira foto e mesmo querendo ficar com ela, não desconsiderei a regra.
Hermes Tenório, irmão de Artur, tinha panificadora e gostava de fazer poesias brincalhonas que atraíam os amantes da literatura de cordel. Joca e Jorge Neiva, irmãos e aposentados dos Correios e Telégrafos. Jorge, além de negociar com pecuária, também gostava de política e segundo Hermes Tenório gostava de proteger "cabra safado". Ioiô barbeiro, figura popular da Pedra. Era também clínico geral, que conhecia de onde doença vem e pra onde podia ir e costumava receitar de graça. O povo confiava nele.
Zeca Cândido, comerciante de armarinho e miudezas. Natural de Alagoinha, veio negociar e morar na Pedra.
Virgílio Campelo, sogro de Euclides Galindo, foi comerciante e político ardoroso. Manoel "grande", como era conhecido, homem brilhante que fazia jus ao apelido. Era fazendeiro e negociava com algodão, mamona e peles de animais. Josué tinha posto de gasolina em Cruz das Almas, já na saída que dá acesso a Venturosa. O padre Emanuel de Vasconcelos chegou à Pedra recém ordenado, em meados de 1934 ou 1935 e ficou até falecer, na década de 60. Era uma excelente criatura, mas não tinha o dom da oratória. Na hora do sermão, muita gente se retirava para frente da igreja, só retornando após a homilia. Eu acompanhava a escapada, imaginando que fugir do sermão fazia parte do ritual. Quando eu era menino, o padre Emanuel providenciou uma reforma na igreja, feita por Cícero Maniçoba e meu pai. Fui o ajudante de pedreiro da obra. Trabalhamos bem junto ao sino e era comum tocar as doze e dezoito horas. Certa vez, meu pai me pediu que fosse tocar as doze horas. Fui sacudir o sino, mas não contei as badaladas, então meu pai perguntou por que eu não tocara doze vezes. Só a partir daquilo é que atinei que se tratava de anunciar a hora certa através do sino. Já perto de falecer, o padre resolveu demolir a antiga igreja e erguer um novo e vistoso templo que imortalizou seu nome. Aquele saudoso sacerdote um dia conseguiu fazer um belo discurso, justamente nas minhas núpcias, afinal estava casando uma das cantoras do coral daquela igreja.
Outra grande figura que morava na cidade da Pedra era José Pessoa, elegante, ativo e inteligente. Apesar de conhecê-lo desde criança, nunca conversamos.
Outros que se destacaram: Clóvis Siqueira Barbosa, meu cunhado, Públio Vale e Eduíno Macambira, todos nascidos na Pedra que se tornaram Auditores do Tesouro Estadual, aposentados hoje ou falecidos. Clóvis tornou-se bacharel em Direito. Dois outros filhos ilustres daquela cidade, com muito esforço e dedicação conseguiram estudar distante da terra natal e se tornaram também bacharéis, posteriormente juízes. Romildo Vale, filho do médico Ioiô Barbeiro e Ledoar Cavalcanti Firmo, filho do poeta José Firmo. Pessoas mais humildes também merecem ser lembradas, como Chico Rolinha, comerciante exclusivo de sal de pedra. Ele armazenava o sal num caixote de madeira de pinho que devia ter dois metros quadrados de dimensão e uns oitenta centímetros de fundura. Nos dias de feira vendia muito sal, talvez muito mais que seus concorrentes.
Antônio Barbosa era outra figura popular, conhecido como o maior trocador de cavalos da região. Acredito que já chegou a trocar animal cinco ou seis vezes num mesmo dia. O curioso é que ele nunca tomou um centavo a ninguém, em qualquer troca que fez. Todos os seus cavalos eram espertos e bem tratados. De vez em quando ele ia à bodega e tomava umas cachaças pra ficar mais inspirado. Outra notável personalidade era Chiquinho de Branca.
Tinha um timbre bem agudo, falava mansinho e costumava tratar as pessoas no diminutivo. Gostava de lisonjear as pessoas e o povo tinha por ele um carinho especial. Ganhava uns trocados fazendo mandados e carregando água num galão, do Olho d'água para as residências da cidade. Seus trajes eram afeminados, melindravam as pessoas, naquela época.
O Chiquinho tinha outro irmão que também merece destaque, o grande Basto. Trabalhador e disposto, foi o primeiro coveiro que conheci gostando do que fazia. Naquela época havia na cidade o "caixão de caridade", um ataúde comunitário, à disposição das famílias pobres. Entocava-se na sacristia e logo que entregava o defunto ao cemitério voltava para o seu lugar. O finado era enterrado sem caixão. O Basto tomava umas, subia a pressão e desatava a despachar. Houve ocasião que as pessoas não davam conta do peso do defunto e ele simplesmente colocava sobre seus ombros e sem cara feia completava o enterro. Aquele homem tinha o dom da assimilação. Se alguém lia um folheto perto dele, ele repetia verso por verso, sem tirar nem acrescentar. Sinal de inteligência, o sujeito não sabia ler. Ou, no mínimo, sinal de memória prodigiosa. Tinha vários irmãos e irmãs: Severino, Antônio, Chiquinho e Osvaldo. Laia, Zefa, Maria e Pia. Todos de bom caráter, honestos e trabalhadores. Residiam no lado direito da antiga estrada da cidade da Pedra. Antônio era pedreiro, Severino criava jumentos, Chiquinho carregava água, Pia fabricava colchão de capim e Zefa fazia boneca de pano. Finalmente chegou o dia de se enterrar o Basto. Quem lhe prestou o serviço há de ter caprichado, temeroso de que o defunto reclamasse bem feito o que ele próprio soube fazer por anos a fio. Nunca soube o motivo de sua morte, a indesejada das gentes que ele acompanhou como dor alheia, empunhando as pás.»

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