A ascendência nordestina
JORNAL DE ARCOVERDE,
N. 280 – Julho/Agosto de 2014 – C1 – P. 11
A ascendência nordestina
Pedro Salviano Filho
Qual a origem do homem
nordestino? De onde mesmo viemos?
Retomando o trabalho de Borges da
Fonseca, a Nobilarquia Pernambucana,
o pesquisador Cândido Pinheiro desenvolveu um projeto para resgatar a
verdadeira história do homem nordestino, especialmente no período colonial
(1530-1815).
A nova obra, com 10 volumes,
começou a ser apresentada ano passado, com "Albuquerque: A herança de Jerônimo, o Torto". Recife, Fundação
Gilberto Freire, 2013 – 656 p. e “Liras.
O nome e o sangue – uma charada familiar no Pernambuco Colonial” – 610 p.
Em julho deste 2014 foi lançado “O crime
de Simões Colaço”. 458p - download grátis [https://bit.ly/2YdgKYM]. E a previsão é que em outubro próximo será lançado
“Lucena” e em novembro “Abrahão Senhor”. Tenho adquirido os
volumes lançados através da Fundação Gilberto Freyre. Rua Dois Irmãos, 320
Apipucos 52071-440 Recife - PE Fone 55 81 3441-3348.
Borges
da Fonseca – Antônio José Vitoriano Borges da Fonseca – nasceu em 1718 e era
recifense. Ele morreu em abril de 1786 e foi sepultado no Mosteiro de São Bento
de Olinda. Foi governador e capitão-geral da capitania do Ceará, no período
entre 1765-1782.
Produzida
em 1748, em quatro volumes manuscritos, a Nobiliarquia
Pernambucana é a mais importante obra para os estudiosos da genealogia do
Nordeste na época colonial. A obra abrange numerosas famílias portuguesas
ligadas à história de Pernambuco.
O
primeiro volume desta Coleção Borges da
Fonseca, do Dr. Cândido Pinheiro Koren de Lima, resgata como os
Albuquerques chegaram a Pernambuco com o donatário Duarte Coelho e como
Jerônimo de Albuquerque, o “Adão pernambucano”, com 36 filhos documentados,
semeou seu sangue por todo o território nordestino. O segundo volume da mesma
Coleção, “Os Liras: o nome e o sangue –
uma charada familiar no Pernambuco Colonial”, trata da origem da família da
Ilha da Madeira, de Portugal. A pesquisa aponta que os antepassados dessa
família chegaram a Pernambuco sem cor definida, e acredita-se que ocupavam altos
cargos no Santo Ofício de Portugal e Madeira. Os Liras que chegam a Pernambuco
logo tomam as cores raciais da capitania. Os chamados “Novos de Lira” possuíam
sangue judeu. O livro narra o casamento
de Gonçalo Novo de Lira com uma provável neta de Branca Dias e Diogo Fernandes,
este o casal mais denunciado pelo Santo Ofício de Pernambuco (1593-1595). O
estudo ainda aponta que Gonçalo Novo de Lira IV se casou com uma mulher da
família Pacheco, descendente do judeu Ruy Capão, que trazia da Ibéria além desse
sangue, os traços do muçulmano semita e do muçulmano negro da África do Norte.
«Um fazendeiro e sua
esposa em viagem», ilustração do livro «Viagens
ao Nordeste do Brasil», de Henry Koster, livro lançado em 1816.
Do
volume “Albuquerque. A herança de
Jerônimo, o Torto”, download grátis - [https://bit.ly/3e5uQ57] recortei alguns textos (a partir da página 20), com o
convite aos leitores para consultarem a obra:
«Ao
fim dos dez volumes do trabalho, escrito sobre o documentado por Borges da
Fonseca, verificou-se que, além do sangue ibérico quinhentista, tem-se:
80% da população
nordestina colonial e por extensão óbvia, a atual, porta em si o sangue judeu,
o sangue do nativo indígena, o do negro muçulmano (Rram) da África do Norte e
muçulmano semita.
Quando exclui-se a
influência do sangue novo nativo chega-se a notar que 95% de nossa gente possui
o sangue judeu, muçulmano semita e muçulmano rramita da África pré-saariana.
2% da nossa gente
documentada, além do sangue judeu, do muçulmano-semita, do muçulmano-rramita,
negro pré-saariano, também porta o sangue originário do negro escravo
subsaariano. Este pode ser originário de Portugal ou da colônia.
Resumidos:
95 % da população (ibero como aqui chega)
80% da população (com sangue nativo)
2% da população (com sangue negro escravo subsaariano).
3% da população. Sem troncos raciais religiosos identificados
Para nós, foi
decepcionante a quantidade de descendentes do negro escravo do período
colonial na obra documental da elite nordestina por Borges da Fonseca. É
surpreendente o que se viu de descendentes de "negra brasilla"
escrava ou forra. Como dir-se-á logo após, quando cá chegou o ibero, e
pontualmente outros europeus (italianos, alemães, holandeses e etc), vieram
solteiros, precisavam de mulheres e de alianças para dominarem a terra e a seus
nativos extremamente mais numerosos. Criaram-se estruturas familiares com os da
terra, que apesar de não cartoriais eram assim; deste modo, o nativo foi levado
a anexar-se à elite europeia documentada. Ele próprio, o nativo, mais das vezes
era elite, poder na terra, com seu DNA de poder intacto. Exemplo disto são as
uniões, com filhos de principais da terra de Jerônimo de Albuquerque, Caramuru
e Vasco de Lucena. Somou-se DNA de elite europeia documentada com o DNA da
elite da terra. Este somatório é que permitiu aos seus descendentes a
perpetuação no poder. O sangue principal do nativo não diminuiu a ânsia pela
elite e poder do europeu, só reforçou-a. Não há exemplo melhor do que o que foi
visto com o primeiro Marquês de Pombal, o homem mais poderoso de Portugal a sua
época, o reconstrutor de Lisboa, após o grande terremoto que quase a destruiu.
Quando o negro
escravo subsaariano aqui chegou, encontrou o homem ibérico já enlaçado no
sangue nativo. O peninsular já tinha em si o sangue negro (pré-saariano). Este,
porém, era sangue de elite, de conquistadores que dominaram a Espanha por quase
8 séculos.
A dinâmica do
processo escravagista na África subsaariana foi terrível. Uma fração mínima dos
sequestrados era classe dominante em sua terra. Na África, os mais fortes
ajudavam a aprisionar e vender os mais fracos para os europeus como escravos.
A destruição da estrutura familiar e social na origem, no momento da apreensão,
e na hora da venda, acabou com as lideranças deles. Depois, como se deles nada
se esperasse além do trabalho braçal e subordinação, foi-se paulatinamente
destruindo com chicote, grilhões, fome e assassinatos, geração após geração,
todo poder de reação. Moldou-se o DNA do negro escravo subsaariano no nordeste
de modo a ser inferior a um animal de trabalho, e muitas vezes pior tratado que
estes. A ligação com mulher negra desta origem, sabe-se, ocorreu fortemente.
Agora, no entanto, o homem colonial nordestino da elite documentada não
precisava mais de alianças, nem desesperadamente de mulheres como quando cá
aportou. Suas ligações com escravas negras foram, na grande maioria das vezes,
fortuitas, ocasionais, havidas com mulheres submissas, com DNA corrigido para
não serem de elite, mas de animais de trabalho. O produto desta união, a não
ser em casos excepcionais, não foi elite, não tinha DNA desta, e levará séculos
para se corrigir esta brutal seleção natural inversa. Aqui, repetia-se a
seleção visando apenas músculos e submissão. O mínimo que se pode fazer agora
para contornar o problema é valer-se da educação. Nada mais correto e justo que
a prática de quotas raciais para os descendentes de negros escravos em escolas
particulares ou não, em qualquer nível, inclusive o universitário. Uma política
agrária correta para os descendentes destes negros é outra medida que deve ser
implementada já, com muito mais seriedade e intensidade, mais do que aquela
praticada com nossos nativos. Apesar destes existirem em número pequeno em
estado puro, a maioria deles está entre nós, dentro de nós, na elite, no poder.
Os negros escravos subsaarianos, que aqui chegaram e que tiveram o componente
de seu DNA de poder de elite destruído, estão fora desta elite, sua
representação nela é mínima. Não possuem qualquer possibilidade, inclusive a de
protestar, de lutar. Eles também perderam estas qualidades na terrível obra
praticada nas senzalas, e nos quartos escuros e infectos das fazendas e nos
troncos de tormento. Os índios nativos em seu estado natural mantiveram as
relações familiares. A convivência milenar, o enfrentamento de problemas
diários apurou sua classe dominante, as características de poder e elite. Estas
características levam à luta e ao protesto. Com isto, eles têm sido mais
ouvidos, auxiliados por uma obra assistencial religiosa mundial que os enxerga,
apenas eles, como vítimas, e não entende a maior vítima, o descendente do negro
escravo subsaariano, perdido e mudo, que sobrevive muitas vezes vegetante entre
nós.
Nos Liras e nos
Albuquerques, dois troncos originários em negros escravos subsaarianos, se
sobressaem. O primeiro e o mais conhecido é o originado em Bem Feitinha escrava
negra que dá origem a João Fernandes Vieira, havido em um relacionamento
casual. O moço tem uma das carreiras mais brilhantes que se tem notícia. Inicia
a vida como auxiliar de açougueiro. Com a chegada dos holandeses, a quem adere,
começou por ser serviçal deles, e chegou a sócio dos maiorais batavos na terra.
Tornou-se o homem mais rico do período holandês. Sua fortuna multiplicou-se
quando aderiu à Portugal em detrimento da Holanda, e chefiando civilmente a
insurreição. Vitorioso, recebeu enorme espólio, inclusive, o governo de
capitanias e na África. Deixou descendência apenas fora do casamento, que
disseminou o sangue subsaariano entre nós.
Outro tronco de
escravos médio africanos destacado nos Liras, nos Albuquerques e Branca Dias é
o originário nos Silveiras Bezerras ou Bezerras Silveiras com importante
disseminação entre as famílias do Nordeste.
Nos Lucenas fomos
capazes de detectar apenas representantes da descendência de Bem Feitinha, mãe
de João Fernandes Vieira pelo casamento
de Maria Joana César filha do supracitado e neta de Bem Feitinha com Jerônimo
de César Melo.
O último ponto
deste estudo, e o mais delicado é o que trata das relações extraconjugais, fora
do casamento oficial, fortuitas ou familiares, e seus produtos, os bastardos. E
a pergunta que se fez sobre o assunto no início do trabalho, que ele tentou
responder, era se na Península Ibérica e, por extensão, no Nordeste brasileiro,
em um estudo que abrangesse séculos, seria possível que alguém chegasse ao
período colonial e, por extensão lógica aos nossos dias sem possuir alguma
origem bastarda. A resposta é não. Usando-se a mesma técnica de disseminação de
troncos raciais e religiosos muçulmanos e judeus sobre o homem ibérico de
início ateu depois católico, que aportou no nordeste brasileiro; tentando-se
ver a permeação do sangue bastardo originário em padres e freiras ou no homem
comum, verifica-se, finalmente, que todos nós possuímos algum tronco bastardo
clerical ou leigo. Estes troncos bastardos permeiam por toda elite documentada
por Borges da Fonseca e por extensão até nossos dias».
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