Cimbres. O começo de tudo



JORNAL DE ARCOVERDE – Edição 270 – Novembro/Dezembro de 2012 – Página 19.

Cimbres, o começo de tudo

Pedro Salviano Filho

Depois de compilar alguns dados sobre “Pesqueira, terra do doce” (https://bit.ly/36rK4yf ) estive, em novembro de 2012, em Pesqueira e Cimbres. Visitando a antiga e preservada casa do Dr. Moacyr Britto de Freitas, que foi diretor-gerente da Fábrica Peixe, em Pesqueira, conhecemos a Sra. Paula Tenório de Britto, sua nora. Perguntada sobre qual o segredo da dona Dina, um dos temas da matéria citada, para tornar o doce de goiaba avermelhado, macio, mais saboroso e tão atrativo, a ponto de mudar o rumo da região, ela disse: “Aqui em casa, quando o dr. Moacyr fazia o doce de goiaba ele, no final do preparo, colocava um pouco de suco de limão. O ponto do doce era dado pelo limão". Seria este o grande segredo da dona Dina, o limão?
Pesqueira está no sopé da Serra do Ororubá, a 655 m de altitude. Seguindo por 18 km, chega-se a Cimbres na altitude de 900m; continuando a viagem, está Ipojuca depois de 12 km e Arcoverde por mais 18 km, no fim de uma descida que chega a 664 m de altitude. E tudo por estrada asfaltada. Um interessante roteiro para se tentar começar a responder a questão: Como e quando foi o início da colonização da nossa região? Nesta ocasião vamos também “viajar” por algumas informações deixados pelos historiadores.
Em Caboclos do Urubá. Caminhos e personalidades da história de Pesqueira, Nelson Barbalho. Recife, 1977, pág. 45, escreveu:
«Toda aquela região do agreste e começo do sertão de Pernambuco, pelos indígenas que a habitavam, era tachada de “Borborema”, o que, no dialeto deles, queria dizer deserto. Em pleno “deserto”, contudo, sobressaía-se um oásis – a gigantesca serra do Urubá, onde o clima era ameno e salutar, a terra forte e fecunda. Por seus rios, córregos e riachos corria abundante água potável, havia fertilidade perene, o que constituía verdadeiro contraste naquele “certam” árido e seco. O Urubá era mesmo o oásis da Borborema, pitoresco recanto dentro de cujos limites viviam, primitivamente, índios tapuias da tribo dos “Ararobás”, nome pelo qual, de logo, ficaria popularizada a serra. A vida ali era edênica, mas, desde a invasão dos brancos, os índios pernambucanos não mais conheciam o que fosse paz, nem sossego – e, de perseguição, não esquentavam canto durante muito tempo, sobrevivendo tangidos como animais daninhos, brutalizados, escravizados, prostituídos, massacrados ou exterminados a ferro e fogo, sem apelação”... “... a criação da vila de Cimbres influiria bastante, constituindo-se ali um novo centro habitacional para onde convergiam em escala crescente novos elementos colonizadores, inclusive autoridades, sesmeiros, escravos, artesãos, funcionários públicos, agregados. Com a penetração dos brancos, incrementa-se a catequese dos índios, a qual de logo fica sob a responsabilidade de missionários jesuítas, que tratavam. O quanto antes, de edificar ali um convento e uma capela. Deste modo, em meados do século XVIII a Aldeia do Arorobá, como era então denominada, tinha por missionário um religioso da Congregação de S. Felipe Néri, e os índios que a habitavam atingiam cerca de 700 almas.... Tamanho fora, no Século XVII, o desenvolvimento da Aldeia de Ararobá, que o bispo D. Frei Matias de Figueiredo e Melo lhe confere os foros de paróquia em 1692, sob a invocação de Nossa Senhora das Montanhas. »
Em Cronologia Pernambucana. Subsídios para a história do agreste e do sertão, 2º. Volume – 1601-1630. Nelson Barbalho, Recife, 1982, pág. 112, afirma:
«... gente brava e pioneira na ocupação de terras sertanejas da região pernambucana do São Francisco, não tendo meios de fundar engenhos-de-açúcar naquelas plagas, onde o pau-brasil já começava a rarear, tornavam-se grandes criadores de gado, atividade também lucrativa e de menos dispêndio que a de senhor-de-engenho, já que as fazendas eram cuidadas, no máximo, por dez, quinze vaqueiros recrutados entre índios catequizados, degradados, portugueses, mestiços de todos os matizes, negros do mato, aventureiros de toda espécie. Perdidas nas imensidões sertanejas, as fazendas-de-criação, não tendo ainda muitas condições de impor controle severo do trabalho escravo, movimentavam-se com os vaqueiros contratados em regime de parceria – a quarteação, isto é, de cada quatro bezerros nascidos e criados, um era do vaqueiro que de fato tomava conta do gado, como pagamento das tarefas executadas após cinco anos de serviço efetivo na respectiva propriedade. Pode-se afirmar tenham sido esses homens livres ou semilivres, não proprietários de terras, os vaqueiros de quarteação, os mais legítimos conquistadores das regiões agrestino-sertanejas de Pernambuco, devastando as caatingas, abrindo veredas para os carros-de-bois, preando índios brabos, emprenhando as mulheres indígenas, fundando povoações, aceitando os negros como criaturas humanas, movimentando lugares antes inteiramente virgens da presença efetiva dos colonizadores.
Neste mesmo ano de 1614 também teria ocorrido a penetração de alguns outros sertanistas pelo interior de Pernambuco, sertões do Ararobá ou campos do Buíque, na região do rio Ipanema, em busca de prata, cujas minas ali existiriam, ao que já se propalava na época... ».
No Pesqueira secular, crônicas da velha cidade, 1980, Nelson Barbalho, pág. 29 explica mais:
«De passagem para os campos do Buíque, atrás das minas de salitre que diziam ali haver, os holandeses conheceram e atravessaram o sertão do Arorobá, nele contudo não se fixando nem deixando qualquer visível sinal de sua passagem. A região, porém, já era conhecida dos portugueses, inclusive de João Fernandes Vieira, o qual, depois do retorno de Maurício de Nassau à Holanda, em 1644, ia deixando de colaborar com os flamengos, até bandear-se de todo para o lado das forças pernambucanas de resistência ao invasor. Por sinal, com a morte do bravo pernambucano Antônio Cavalcanti, o sagaz Fernandes Vieira torna-se o “governador da liberdade divina”, chefe único da guerra contra os batavos.
Homem muito esperto, providente, oportunista, João Fernandes Vieira, após alcançar as duas espetaculares vitórias sobre os holandeses no morro dos Guararapes, em 1649, trata de pedir ao rei de Portugal toda uma série de vantagens e concessões pessoais, movimentando seus requerimentos em Lisboa através de Gaspar Berenguer de Andrade, seu procurador no reino.. Assim, entre outras várias solicitações, destaca-se uma referente a “dez léguas de terra a começar da última sesmaria da parte de Santo Antão para o interior, comprometendo-se a conquistá-las aos índios e povoá-las”... Fernandes Vieira toma posse de suas terras agrestino-sertanejas no Arorobá em 4 de outubro de 1666, nelas colocando os seus vaqueiros e gados, tudo sob a direção do feitor Manuel Caldeira, e fundando assim diversas fazendas de criação, em torno das quais, de fato, há posteriores referências em alguns documentos sesmariais de terceiros, inclusive nos processos de doação de terras ararobenses alusivos aos requerentes Pedro Correia Ferrete, David de Albuquerque Saraiva, Bento Pereira de Morais, José Fernandes e Leonel de Abreu e Lima. » Sobre História das lutas com os Hollandezes no Brasil desde 1624 a 1654. Francisco Adolfo de Varnhagen (Visconde de Porto Seguro) ver em http://bit.ly/V9E7dq; outras dicas para pesquisas: Fontes repatriadas. Anotações de história colonial. Referenciais para pesquisa. Índices de catálogos da Capitania de Pernambuco: http://bit.ly/12Uz4Ch; Pioneiros da pesquisa histórica em Pernambuco, por Leonardo Dantas Silva, 1997: http://bit.ly/ZHmet7.
Em Cronologia Pernambucana. Subsídios para a história do agreste e do sertão, 3º. Volume – 1631-1650, Nelson Barbalho, Recife, 1982, pág. 112 diz:
«Capitão Bernardo Vieira de Melo, 5º filho de Antônio Vieira de Melo e Maria Margarida Muniz Bittencourt, vivia e residia na Muribeca e era senhor do Engenho Pindoba. Ao lado do pai e de outros parentes, lutaria bravamente contra os holandeses e em 1671, por causa disso, seria beneficiado com a doação de muitas terras no agreste e no sertão de Pernambuco, tornando-se co-proprietário da gigantesca sesmaria Ararobá».
Continuando a leitura do mesmo volume, na pág. 175 podemos ver:
«Antônio Filipe Camarão, capitão-mor dos índios a serviço de Portugal, tentando induzir o gentio colaborador dos flamengos a bandear-se para o seu lado, pois, como ”cristão”, não deveria continuar servindo a “hereges”, endereça duas cartas (uma datada de 19 de agosto de 1645), com conselhos e recriminações, dirigidas a seu primo Pedro Poti e ao índio Antônio Paraupaba.
A verdade é que a indiada de Pernambuco, via de regra, sempre fora espoliada pelos portugueses da colônia, os quais viam os índios como seres inferiores, preavam-nos, reduziam-nos à escravidão através das infames “guerras justas”, prostituíam-lhe as mulheres, roubavam-lhes as terras, perseguiam-nos a ferro e fogo, massacravam-nos, matavam-nos impunemente, enquanto os holandeses no Brasil sempre trataram os indígenas como criaturas humanas dignas de respeito e consideração, instruíam-nos, davam-lhes assistência médica e social, jamais os tornaram escravos, jamais lhes invadiram as aldeias, jamais lhes roubaram terras. »
Mais artigos desta coluna: https://bit.ly/2Aaprun

 
Fotos: J. Randolfo Britto

«A Aldeia ou Missão de Ararobá, foi fundada em 1669, ano em que ali chegou auxiliado pelo capitão-governador Francisco de Brito Freire, o padre secular oratoriano João Duarte do Sacramento». De Ararobá, lendária e eterna (notas para a história de Pesqueira), de Luís Wilson, 1980, pág. 71.

«Como sede de paróquia, sob a invocação da Nª. Sª. das Montanhas, criada em 1692 pelo bispo dom Matias de Figueiredo e Melo. ... [À direita] o Senado da Câmara de Cimbres foi instituído por ocasião da criação da mesma e seu termo, nos 3 de abril de 1732. » Fragmentos de texto do livro Pesqueira e o antigo Termo de Cimbres, de José de Almeida Maciel, 1980, pág. 48. 


«Em 1762 a Aldeia de Ararobá já constituía regular núcleo populacional, tendo sido, por Alvará de 3 de abril daquele ano, transformada em município e sede municipal, recebendo a denominação de Cimbres, sob a condição de vila. » Do livro Pesqueira secular, 1980, por Silvio Lins, pág. 33

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