Documentos em registros de cartórios e assuntos afins


JORNAL DE ARCOVERDE – Edição 258 – Novembro/Dezembro de 2010 – Caderno 1 – Pág,3
HISTÓRIAS DA REGIÃO

Documentos em registros de cartórios e assuntos afins
Pedro Salviano Filho

 




Em outubro deste ano o Conselho Nacional de Justiça autorizou a emissão de certidão de nascimento dos recém-nascidos pelas maternidades do Brasil, no momento da alta da mãe. Segundo alguns jornais também anunciaram, já agora em dezembro de 2010, a  nova carteira de identidade, chamada de Registro de Identidade Civil (RIC), passa a ser emitida com chip (em Pernambuco inicialmente na Ilha de Itamaracá). Além desse novo cartão, os passaportes brasileiros também terão um chip. São os avanços tecnológicos buscando segurança e praticidade.
O IBGE revela agora que a subnotificação de óbitos no Brasil caiu de 17,8% para 9,5% nos últimos 10 anos, embora um dado seja preocupante com o registro de óbitos da população com menos de um ano que chega a 43% no conjunto do país, e alarmante na região nordeste, com 68% de subnotificações.
Mas como eram feitos os nossos documentos há muitos anos, como, por exemplo, uma declaração de óbito? Eu encontrei uma, creio que raríssima, feita por um médico e transcrita em livro do cartório de registro civil da Pedra-PE. Na época não existiam formulários específicos para isso. A causa da morte, quando citada, era a informação prestada na ocasião do registro por familiares ou compadecidos, com alguns significados hoje curiosos. Só a partir da segunda metade do século passado os médicos passaram a escrevê-los mais criteriosamente.





Atestado médico de 1909, por médico em Pesqueira, transcrito em livro de cartório da Pedra-PE.

Atestado Médico
“O doutor Diniz Pompílio Passos, médico e farmacêutico, diplomado pela Faculdade de Medicina da Bahia etc. Atesto que faleceu de febre tífica em sua residência na fazenda Corredor, do município da Pedra, no dia sete de setembro, às dez horas e quarenta e cinco minutos da manhã, a Exma. Senhora Dona Francisca Branca de Carvalho, com idade de vinte e oito anos, branca, casada com o Senhor João Tenório Cordeiro Cavalcanti. Pesqueira, 10 de setembro de 1909. Dr. Diniz Pompílio Passos. E eu, Neumeriano Gomes de Sá Novaes, transcrevi o atestado acima. Pedra, 7 de setembro de 1909. Escrivão do Registro Civil.”
(transcrição com adaptação da linguagem)

Na pesquisa genealógica que faço (www.lanta.myheritage.com), além da febre tifoide, encontro muitos registros de óbitos decorrentes de tuberculose, especialmente no fim do século 19 e início do século 20. Doença que teve previsão de ser erradicada até este ano de 2010, insiste em contrariar muitas políticas de saúde adotadas e ainda hoje é um sério problema de saúde pública.
Um caso, do século 19, me chamou mais a atenção. A minha avó paterna, Maria Wanderley de Albuquerque, a Vó Marica, teve vários irmãos. Um deles, apelidado Mandu (ou Manu), faleceu da tal doença "thisica" em 12 de dezembro de 1892. Dagmar dos Santos Vaz, no seu livro DOCE PEDRA, comentou o fato: "O primeiro marido de Ana Felícia Cordeiro Cavalcanti, que foi Manoel dos Santos Cavalcanti, teve um ato digno de registro. No leito da morte, falou com seu irmão - Francisco Campelo de Albuquerque Wanderley, pedindo-lhe para que se casasse com Ana Felícia, para não deixá-la desamparada; e foi o que sucedeu. Após a morte do mano Mandu, cumpriu fielmente suas instruções casando-se com Ana Felícia (Sinhara). Antigamente tal procedimento era uma norma, talvez em seguimento e cumprimento bíblicos, inseridos no Novo Testamento, conforme Evangelho de Mateus, Capítulo 22, versículos 24 e seguintes. O Evangelho fala em suscitar descendência; de qualquer forma entende-se como configurada a intenção e solidariedade dos antigos em tal vicissitude."
Pelo registrado nos livros do cartório da Pedra eu pude acompanhar o desenrolar dos fatos (as detalhadas transcrições estão no mencionado site). O Manoel dos Santos teve apenas dois filhos com a "Sinhara" (Francisco Santino, nascido em agosto de 1889 e falecido em maio de 1890, e José Campelo de Albuquerque, nascido em fevereiro de 1891, e que sobreviveu. Tinha o apelido de "Sinhô").  Já o seu irmão, Francisco Campelo, que obviamente era também primo em primeiro grau do meu pai, Pedro Salviano de Albuquerque, registrou o nascimento do seu primeiro filho com a "Sinhara" (sua ex-cunhada), Benjamim Campelo, em janeiro de 1895 que, uma semana depois, faleceu. O segundo filho, chamado também de Francisco, nasceu em abril de 1899 que, no mesmo mês morreu decorrente de "febre". A única filha que deixou descendência nasceu em 6 de agosto de 1900 foi "Lanusa": Luisa Campelo Vaz (possivelmente em homenagem ao nome da minha bisavó: Luiza Campelo de Albuquerque). Na época, todos moravam no sítio Tacazinho, município da Pedra. Segundo o mencionado DOCE PEDRA, "Lanusa" foi casada com Antonio Tenório Cavalcanti, deixando sucessão. Talvez algum leitor...
No dia 3 de maio de 1904, aos 46 anos de idade, era sepultado no cemitério público da Pedra, Francisco Campelo de Albuquerque. E a causa da morte: tuberculose.
Encontrei, em alguns livros do Cartório de Registro Civil da Pedra, para alguns anos, especialmente nas primeiras décadas do século passado, redução de registros de óbitos, em números facilmente detectados. Também se pode ver que o analfabetismo era grande, já que havia muitas declarações registrando isto, com assinaturas a rogo.
Os registros cartoriais nos levam a muitas reflexões. As letras cursivas refletem, muitas vezes, a presteza do oficial que, num esforço de quase guardião do tempo, vai oferecer subsídios para um esclarecimento que, de outra forma, deixaria o pesquisador e a história sem aquela importante informação. Além das intempéries da natureza, incluindo até as deficitárias formas de conservação dos livros, pelas recentes revelações do censo brasileiro, um fator agravante dos registros parece ser o descaso das subnotificações. E o nordeste, no que pese já estarmos quase iniciando a segunda década no século 21 (o da informação), como mostrado acima ainda tem 68% de negligência quanto às notificações de óbitos em crianças com menos de um ano de idade. Quem sabe, quando estiverem funcionando os registros on-line e os chips nos nossos documentos, os registros sejam mais fiéis e as estatísticas indiquem um melhor nível de desenvolvimento para nós.

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