Memória do rádio

Memória do Rádio


Pedro Salviano Filho







JORNAL DE ARCOVERDE –  Novembro de 2009 – Página 11 - Edição 248

NOSSA HISTÓRIA

“Nasci lá na Praça da Bandeira, nº 33, em 1948 e fez parte da minha infância ouvir o Serviço de Alto-falantes Bandeirante de Arcoverde. Nele eram veiculados os anúncios de filmes da empresa Cine Bandeirante e também os sucessos do momento. Era um sistema com bocas de som espalhadas pelos principais pontos da cidade, inclusive na Praça Barão do Rio Branco, para onde nos mudamos em 1954. Minha casa ficava em frente à Estação Ferroviária, onde cruzavam os trens que ligavam o interior com Recife, com intenso movimento na época. Ali eu via o intrépido Rocky Lane com sua carroça cheia de filmes sendo levada para o cine Bandeirante, na Praça da Bandeira. Outra opção de cinema, o grande divertimento de então, era o Cine Rio Branco, bem pertinho de casa; antes ele era do Dr. Pedrosa e depois passou a ser do Dr. Nilson, um dentista. Depois de concluir o curso primário no Grupo Cardeal Arcoverde segui cursando o ginásio homólogo, que tinha a direção de Padre Delson Freitas. Na adolescência eu era apaixonado por cinema a ponto de colecionar sinopses de filmes que conseguia com os amigos das duas casas exibidoras. Com Arcoverde crescendo, alguns entusiastas tiveram a idéia de fazer aquele serviço de alto-falantes também evoluir, chegando à criação da Rádio Bandeirante de Arcoverde. Esse trabalho deveu-se ao empenho, ousadia e persistência de várias pessoas que somente pesquisadores poderão ainda resgatar para a história. Ela foi a primeira rádio da capital do sertão.  Na expectativa da sua inauguração em 1964, já com o som liberado pra teste, começou-se a bolar a grade de programação. Foi então que recebi um convite para escrever algo sobre cinema, já que todos sabiam do meu interesse e daquela coleção de sinopses, acrescida de livros e revistas que frequentemente socorriam o pessoal dos cinemas quando recebiam filmes sem nenhuma informação. Tímido por natureza, muito introvertido, eu poderia apenas escrever. Quem leria o texto seria o locutor. Topei a proposta de fazer aquele programa de inauguração da rádio. O nome: CINEMA NO RÁDIO. Misturando músicas de filmes, resumo do que ia ser visto nos cinemas, notícias dos artistas etc., o programa também contava um pouco da história do cinema. No dia seguinte fui comunicado que tanto o patrocinador como os donos dos cinemas haviam gostado do programa e queriam-no na programação diária. Como diária? Eu tinha ficado semanas bolando aquele primeiro programa, escrevendo, reescrevendo, uma dificuldade. Mas a insistência deles e o desafio, aliados à minha paixão pelo cinema, me fizeram aceitar a proposta de escrever um programa para 15 minutos, ao contrário do programa inaugural que foi de meia hora. E assim foi, por muito tempo: “Cinema no Rádio”. Começava quinze pra meio-dia e terminava quando o pessoal já tava almoçando, bem ao meio-dia. Para muitos aquele prefixo musical ficou associado à fome... A musiquinha que lembrava comer está em  https://www.youtube.com/watch?v=1BRqA3DSmpc .  Lembro-me de que na descida da rádio havia uma casa de um pastor americano que sempre escutava a Bandeirante. Um dia eu descia com o Gilberto Carvalho e, ao nos aproximarmos do pastor este encobriu o rosto com o  jornal que trazia nas mãos. Só depois Gilberto me explicou que não tinha como encarar o americano depois de ler todos aqueles nomes que eu havia elencado para os filmes, com a pronúncia que ele achava certa, enrolando a língua, mas que o americano poderia discordar...
(Programa CINEMA NO RÁDIO, edição 333. Para escutar siga o link no final)
Terminado o ginásio, hoje oitava série, a saída de então para os que queriam continuar estudando era ir para uma cidade maior, onde tivesse um bom curso científico, hoje o curso colegial. Fui então para Recife, de onde eu ficava escrevendo, agora já vários outros programas, que enviava pelos ônibus, o sedex, ou melhor, a internet de então. Era rapidinha a entrega. E nas férias, voltando para Arcoverde, ficava ocupando direto aquelas máquinas de datilografia da rádio Bandeirante, idealizando novos programas, a maior parte para adolescentes. E os nomes? Surgiram o Discofone do Sucesso, Passarela Musical, Recordando com os Brotos... Porém um, para crianças, fez muito sucesso: o Teatrinho infantil Bandeirante. As rádios de então quase nada programavam para crianças (parece que isso ainda se repete, não é?). Criamos o teatrinho infantil bandeirante e usamos como base gravações em fitas de rolo, que eram doadas pelo consulado alemão para emissoras brasileiras. Eram histórias clássicas coletadas pelos irmãos Grimm e teatralizadas na Deutsche Welle. E a meninada adorava as “Histórias do Tio Carlos”. Para abrir o programa usamos a música “A barata” lançada pela Maria Regina, filha do Hervé Clodovil, e teve um sucesso muito grande. Hoje suas músicas aparecem nos baús da web (ex. https://www.youtube.com/embed/eGCR906cduM?wmode=opaque) .
(Programa TEATRINHO INFANTIL BANDEIRANTE. Para escutar, veja nos lis abaixo)
Avesso ao microfone e dentro do que a minha timidez permitia, foram raras as vezes que entrava no estúdio.  Na primeira vez eu já estava me preparando para o vestibular de medicina. Foi quando o Roberto José de Carvalho, ou melhor, o locutor Gilberto Carvalho, me pregou uma peça: anunciou que “amanhã estaremos entrevistando o Pedro Salviano”. E não tive como fugir do compromisso assumido por ele.
Muitos anos depois encontrei aquela entrevista entre as muitas fitas de rolo que ainda tenho e que carreguei por onde a vida me levou: São Paulo, Rio de Janeiro e atualmente no Paraná. Ainda recentemente pude resgatar outras relíquias para a memória da rádio de Arcoverde.  Sobre a entrevista referida acima, lembro-me que tão logo a encontrei passei-a para uma fita cassete e enviei-a para o Gilberto Carvalho, que já trabalhava na Rádio Clube de Pernambuco.E, tempos depois, ele me confessou que ouviu aquela gravação inúmeras vezes, muitas delas curtindo com uma cervejinha.
(Entrevista em 1965. Links no final desta matéria).
No final de 1965 eu prestei o vestibular e passei. Agora eu tinha que compartilhar minhas férias entre a rádio e o hospital e clínicas de Arcoverde. O hospital ficava perto da rádio e isso até facilitava. Eu auxiliava praticamente todos os médicos cirurgiões de então: Drs. Paulo Rabello, Francisco Sabóia, Jennecy Ramos e tantos outros. E ainda encontrava tempo para produzir os programas radiofônicos.  Tinha uma Lambretta que facilitava muito meus deslocamentos.  E acompanhei a entrada e saída de muitos funcionários da rádio, alguns ainda hoje em atividade em Arcoverde.
Outra entrevista revela essa minha situação de estudante de medicina.
(Entrevista em 1967. No link abaixo).
Na área do esporte, a rádio Bandeirante de Arcoverde tinha, bem no seu início, uns locutores muito competentes e apaixonados. Lembro-me deles gravando transmissões de rádios do sul e segundos depois colocando no ar; eram uns artistas, inovadores e revolucionários. E usavam as músicas da época para gozar os jogadores, numa forma inteligente e hilária. Na área de notícias a coisa também se repetia: gravavam-se os noticiários de emissoras especializadas e os redatores, com muita paciência e, depois, rapidez, datilografavam e iam entregando aquelas folhas, às vezes nem revisadas, para os locutores, que apresentavam as notícias bem fresquinhas.  Algum tempo depois de inaugurada, a rádio Bandeirante contou por um bom período com a direção de Paulo Cardoso. Nos noticiários ele fazia comentários sobre algum tema local. Na coleção de gravações daquela época encontramos algumas revelações interessantes.
(Grande Jornal Falado Bandeirante. Várias edições. Links abaixo).
Gilberto Carvalho, Reginaldo Silva, Paulo Cardoso e tantos outros de saudosa memória, fizeram um pouco da história da rádio de Arcoverde. Assim, para os que desejarem pesquisar e escrever sobre a origem da rádio na capital do sertão pernambucano ficam essas preciosidades resgatadas para a memória do rádio. Quase meio século depois.”


(Legenda da foto: Pedro Salviano Filho teve sua iniciação na mídia em Arcoverde – 1964 a 1969. É médico cirurgião no Paraná. Há 25 anos é editor de uma revista especializada em aves (Atualidades Ornitológicas www.ao.com.br e o seu hobby é a ornitologia.)

Cinema no Rádio https://bit.ly/3mSmyD4  
Teatrinho infantil Bandeirante https://bit.ly/3gdfYFN
Entrevista 1967 https://bit.ly/2ORjsCH
Entrevista 1965 https://bit.ly/3mPOOWO
Grande Jornal Falado Bandeirante  https://bit.ly/32f1opd

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