Mais anotações sobre o histórico de Arcoverde
Jornal de Arcoverde. Julho/Agosto de 2013 - Página 19
Mais anotações sobre o histórico de Arcoverde
Pedro Salviano Filho
Um dos
fundadores de Arcoverde foi Leonardo Pacheco Couto. Ele doou terreno e também
construiu a primeira igrejinha do então arruado Olho d´Água (depois Olho d´Água
dos Bredos, Rio Branco e depois Arcoverde).
E no mesmo local onde hoje está a matriz N.S. do Livramento. (Ver
também: https://bit.ly/2MEwyhJ e https://cutt.ly/GyZ61Jc ). Em
«Roteiro de Velhos e Grandes Sertanejos», 1978, volume 3, pág. 911, https://cutt.ly/GyZ61Jc Luis Wilson cita: «O capitão Leonardo Pacheco
Couto, fundador em ´Rio Branco´da fazenda Santa Rita, em volta de cuja
capelinha (edificada a 7 ou 8 quilômetros da casa grande da antiga
propriedade), constituiu-se a vilazinha ... casou, todavia, com D. Ana Antônia
Cordeiro do Rego, de família das imediações da Serra das Varas, contraforte da
lendária Ararobá, como a Serra do Gavião, a do Jardim e outras, onde viviam os
paratiós (índios da tribo tapuia).»
Mas
quando casou Leonardo Couto? Transcrevendo para uma planilha o primeiro livro
de matrimônios (1816 a 1829) da igreja N. S. das Montanhas, de Cimbres, (https://bit.ly/2zcqNom ) eu
encontrei a resposta: ele se casou em 24 de novembro de 1818. Ele era filho de
Duarte Pereira e Francisca da Piedade e ela de Duarte de Benevides Cordeiro e
Antonia Maria. Coloquei este registro e
todos os demais do mencionado livro disponíveis para pesquisa (fazer download)
em https://tinyurl.com/ydahrqt6. No citado livro
de Luís Wilson, pág. 912, há a informação que Ana Antônia Cordeiro do Rego
faleceu em 25 de dezembro de 1863 e Leonardo Pacheco Couto em 12 de junho de
1870, aos 89 ou 90 anos de idade.
Como
era a vida dos padres naquele início de século 19, justo quando a “Olho d´Água”
se iniciava? Recorremos às informações do português de origem inglesa Henry
Koster: “Viagens ao nordeste do Brasil. Henry Koster. Recife, 1978. Pág. 105":
«Ouvi
falar num hábito curioso que existe nessas regiões onde as moradas são tão
afastadas umas das outras. Certos padres obtêm licença do Bispo de Pernambuco e
viajam nesses lugares com um altar portátil, construído para esse fim,
conduzido por um cavalo, assim como todos os objetos para as missas. Esse é
dirigido por rapaz que ajuda às missas, e noutro animal vem o padre e sua
pequena bagagem. Esses padres, no curso de um ano, ganham de 150 a 200 libras,
renda considerável para Brasil, mas dificilmente conseguida se pensarmos nos
sofrimentos e provações que foram obrigados a suportar. Eles param, erguem o
altar onde existe um certo número de pessoas que podem pagar para ouvir a
missa. E dita mais das vezes por três ou quatro shillings, mas quando há um
homem rico que tem o orgulho de possuir um sacerdote, ou é muito devoto, dá
oito ou dez mil réis, duas ou três libras, e há quem chegue a pagar cem mil
réis para ouvir uma missa, mas é raro. Presenteiam, às vezes, com um boi, um ou
dois cavalos. Esses padres têm sua missão no Mundo. Se essa tradição não
existisse todo culto era impossível para os habitantes de muitos distritos, ou
bem, eles não poderiam assistir a um serviço religioso senão uma ou duas vezes
por ano porque é muito para lembrar que algumas partes ficam a vinte e trinta
léguas da igreja mais próxima, e nessas paragens em que não há lei nem religião
real e racional, alguma cousa é melhor que cousa alguma. Seus batizados e
casamentos guardam o ritual religioso e preservam do desaparecimento total as
regras estabelecidas na sociedade civilizada. É o liame que prende todo esse
povo e o sustenta, no fio das ideias recebidas, juntos às populações maiores de
outros distritos.»
Arcoverde em 1956 – Foto de Tibor
Jablonsky e Walter Egler https://bit.ly/3eKahLu
Procurando
acrescentar mais informações documentais ao histórico da nossa região,
apresentamos um relatório de missionários sobre Santas Missões realizadas em
1906 na região, quase 100 anos após as primeiras habitações surgirem no nosso
município. Além de revelações curiosas, pode-se observar que a ideia de se
renomear “Olho d´Água dos Bredos” para “Cardeal Arcoverde” passou a existir
apenas meio ano depois de D. Joaquim assumir o importantíssimo posto de
cardeal. Foi mantida a escrita da época nesta transcrição.
A PROVINCIA. N. 188,
de 19-08-1906. ( https://bit.ly/2Yfnd5j) Santas missões
Escrevem-nos
de Olho d´Agua dos Bredos:
«Sempre
victoriosos na causa santa do bem, os abnegados capuchinhos frei Gaudioso e frei Daniel, guiados pelo anjo do Senhor,
vão deixando por onde missionam, inumeros beneficios e, ardentes de fé, vão
esálhando profusamente as palavras do Evangelho, à semelhança de benefico
rocio; e vemo-los, conquistando, esses beneficos filhos de S. Francisco, hontem
em Agoas Bellas, depois em Buique, S. Domingos, em Pedra e hoje em Olho d´Agua
dos Bredos, novos e mais virentes louros e maiores e mais abundantes fructos na
messe do Senhor.
No dia 22 do
corrente, às 5 horas da tarde, chegaram nesta povoação os queridos filhos de
Assis, acompanhados por mais de 200 cavalleiros do municipio da Pedra, que vinham
aqui fazer as ultimas despedidas aos revdms. missionarios que souberam durante
o curto espaço de tempo que lá estiveram fazer verdadeiros amigos.
Grande numero de
pessoas estava a um kilometro mais ou menos, antes deste povoado, aguardando
ancioso a vinda dos levitas do Senhor, que foram conduzidos no meio de
acclamações até a casa que estava preparada para os hospedar, falando o
apear-se o revem. frei Gaudioso.
A rua principal do
povoado estava, bem como o acaminho, cheia de arcos triumphaes, poeticamente
confeccionados com verdes folhas de palmeiras.
Na mesma noute da chegada, na elegante capella do logar assomou à
tribuna o verboso orador frei Gaudioso e declarou aberta a missão, dizendo
quaes os fins a que vieram alli, e cheio de reconhecimento fez ainda elogiosas
referências aos habitantes do municipio da Pedra e mais uma vez agradeceu a
estima, apreço, consideração e carinho que lhes dispensaram, e finalmente, com
palavras repassadas de tristeza e de dor, lamentou o estado de abandono e falta
de zelo que se nota na bonita e elegante capella da povoação, incitando os
habitantes do logar a não desmentirem o zelo e fervor religiosos de seus
antepassados.
Do dia 23 a 29 do
corrente os infatigaveis missionarios entregaram-se aos seus arduos
ministérios; pela manhã pregava o frei Daniel, à noite frei Gaudioso.
As palavras dps levitas do Senhor tiveram o dom de convencer grande
multidão, que attenta os ouvia, colhendo o proveito das predicas e guardando-as
em seus corações qual santo alimento do espirito.
O tribunal da regeneração, a santa confissão, foi procurado por
centenas de pessoas, desde o alvorecer do dia até muitas vezes mais de meia
noite, e os cultivadores da vinha sagrada ouviam os penitentes.
O pão da vida, a hostia sacrosanta foi distribuido com fructo a muitos
dos que se achavam dignamente preparados.
Confessaram-se mais de 1900 pessoas e receberam em seus corações a
Nosso Senhor Jesus Christo mais de 1000.
Apezar de, nas ultimas missões da Pedra e no Buique, muitas pessoas
deste lugar terem se casado, os reverendos capuchinhos ainda efectuaram 20
casamentos, sendo a quasi totalidade entre amancebados.
A palavra santa do
Evangelho não cahio deste povoado entre sarças e espinhos, nem sobre pedras, mas
directa tocava os corações dos que tiveram a ventura de ouvi-la e logo
germinaram e produziram abundantes fructos; além dos muitos amaziado que
legitimaram suas uniões, outros houve que, tocados da graça de Jesus e das
sublimes palavras dos filhos de Assis, deixaram o caminho torpe do vicio, da
libertinagem e da devassidão e tornaram-se catholicos e homens de bem.
Em oito dias de
missão os missionarios contruiram e edificaram o cemiterio deste povoado,
caiou-se, limpou-se a igreja que causa-nos pena dizer... estava muito suja!
No dia 29, ultimo
dia da missão, houve benção solemne do cemiterio e do cruzeiro que lá foi
erigido, falando no momento o talentoso frei Gaudioso; à tarde houve o
encerramento, precedido da tradicional procissão de triumpho, sahindo em ricos
andores as imagens do Crucificado, Nossa Senhora do Livramento, padroeira do
logar e Nossa Senhora do Bom Conselho.
Empolgante, bello era o espetaculo que se desenvolvia a nossos olhos ao
vermos milhares de pessoas conduzindo, todas, bandeirinhas de várias côres, com
as iniciais N.S.L., e com os corações repletos de goso e de satisfação entoarem
ao Senhor dos Exercitos hymnos e canticos após a benção do Santissimo
Sacramento.
Recolhida a
procissão, realizada com a maior devoção, e agglomerado o povo na latada,
assomou à tribuna o ilustre orador sagrado frei Gaudioso e num arroubo de
eloquencia despediu-se do povo, invocando sobre todos as bençãos de Deus para
que perserverassem na virtude até o fim da vida, para merecerem a gloria na
bemaventurança eterna, seguindo-se após à pratica a benção papal.
Lagrimas de
verdadeiras saudades derramou o povo reconhecido.
Em homenagem ao
1o. cardeal brasileiro, d. Joaquim Arco-Verde, natural deste povoado, os
missionarios, de accordo com o povo, mudaram-lhe a denominação: Cardeal
Arco-Verde chamar-se-á do hoje em diante esta povoação, e esperamos que os
poderes legaes sanccionarão essa homenagem justa e expontanea do povo,
autorisando por lei esta nova denominação.
Pelas 4 horas mais
ou menos partiram os missionarios para a villa da Pedra, sendo acompanhados por
muitos cavalleiros; momentos antes falou em nome do povo, com phases
inspiradas, o inteligente accademico Walfrido Freire, que agradeceu o beneficio
prestado ao logar pelos caridosos filhos de S. Francisco.
Tres kilometros
antes de chegarem a Pedra veio ao encontro dos reverendissimos padres o
reverendo vigario José Ribeiro e grande numero de cavalleiros, sendo recebidos
ao entrar na villa, ao estrugir dos foguetes e ao som da banda musical da
Pedra, por centenas de pessoas, que victoriavam e saudavam os missionarios.
Muito serviço
prestaram, auxiliando os missionarios, o reverendissimo padre Rolim, nosso
virtuoso vigario e padre José Ribeiro, vigario da Pedra.
Resta-nos somente
invocar sobre os santos Ungidos do Senhor as graças e as bençãos de Deus, a
quem tambem rendemos mil graças pelos abundantes beneficios que nos concedeu
por intermedio destas missões e que nos conceda a graça de continuarmos até o
fim, proferindo mil vezes morrer a sahirmos fora das santas leis de Jesus e de
sua Mãe Santissima, a sempre Virgem Maria.
Cardeal
Arco-Verde, 30 de julho de 1906.»
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