Médicos de bem antigamente
Jornal
de Arcoverde – Edição 261 – Maio/Junho 2011 – Caderno 1 Pág. 3
HISTÓRIAS
DA REGIÃO
Médicos de bem antigamente
Pedro
Salviano Filho
Neste final
de ano a minha turma da Faculdade de Ciências Médicas de Pernambuco faz a festa
dos 40 anos de formatura. Puxa! Parece que foi ontem que eu frequentava o
hospital e clínicas de Arcoverde, aproveitando todas as folgas e férias da
Faculdade. Participava das várias equipes de médicos, ajudando em muitas
cirurgias e nos ambulatórios.
Lembrando dos
médicos daquele tempo e identificando a procedência de cada um constatei que
alguns haviam nascido em Arcoverde e ali decidiram exercer as suas atividades.
A partir dessas lembranças não pude ficar sem questionar:
Quem foram os
primeiros médicos da nossa região? E mais: qual foi o primeiro médico filho da
terra que depois viria ser Arcoverde?
Sem conter o
meu gosto em pesquisar os fatos que ocorreram em nossa terra e tornar muitos
deles registros claros para nossos leitores fui à busca de respostas.
No “Livro da
Criação da Vila de Cimbres (1762-1867)” [Recife, 1985 – pág. 242] encontra-se o
documento que transcrevo e que nos traz algumas respostas interessantes:
“Registro da carta de
médico do doutor José Martins Teixeira.
Império do Brasil.
Escola de Medicina da Bahia. Diploma de Doutor em Medicina. A Faculdade de
Medicina da Bahia, em atenções aos estudos regulares feitos pelo Senhor João
Martins Teixeira, natural da cidade de Penedo, província das Alagoas, com
trinta anos de idade, nos diversos ramos do curso médico desta escola e o
conhecimento de que deu prova nos exames pelos quais passou, lhe conferiu, no
dia vinte de novembro de mil e oitocentos e cinquenta e dois, no grau de Doutor
em Medicina. E para que seja como tal reconhecido e possa exercer livremente no
Império a sua profissão, e gozar dos direitos que lhe compete, lhe dão este
diploma, assinado tão somente pelo Diretor e secretário e selado no selo grande
da Faculdade. Feita na Bahia, aos quinze de abril de mil e oitocentos e
cinquenta e sete. E eu, Prudêncio José de Souza Brito Cotergipe, secretário.
Vila de Pesqueira, 11 de outubro de 1864. O secretário Severiano Rodrigues
Pires Jatobá”.
No citado
livro, o pesquisador Gilvan de Almeida Maciel inseriu uma nota adicional que
bem ilustra como a medicina era exercida até então: O major Panta (Pantaleão de
Siqueira Cavalcanti Júnior) era filho do coronel Pantaleão de Siqueira
Cavalcanti, chefe político de Pesqueira por muito tempo, e neto de Manuel José
de Siqueira, o último capitão-mor de Ararobá e fundador de Pesqueira. O major
Panta, mesmo sem ser formado, na realidade era o médico de Pesqueira, onde
gozava de boa reputação. Residia na fazenda Tambores.
Mas quem foi
a primeira pessoa nascida, no que corresponde hoje a Arcoverde, a se formar em
medicina?
Creio que
deve ter sido o Dr. Leonardo Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti. Ele nasceu na
fazenda Fundão em 6 de julho de 1855 e faleceu em 17 de maio de 1950, no
Recife. Porém, ele quase não exercia a profissão de médico, como conta Luiz
Wilson no seu livro “Minha Cidade, Minha Saudade”- Recife, 1972:
“Tenho a impressão de que o Dr. Leonardo
Arcoverde jamais fez clínica em Rio Branco. Na minha época, atendia apenas a um
amigo, a um parente, ou a uma pessoa pobre e, estava, vez por outra, em Campina
Grande, na Paraíba, onde era dono, ou um dos sócios, do ´motor´ que fornecia
luz à cidade.”
Registre-se que o Dr. Leonardo era casado com Carolina de Caldas Lins (Dona
“Caró”). Ele
foi deputado por Pernambuco, no tempo do império, e prefeito de
Ipojuca no começo do século passado.
Adquiri num
sebo eletrônico um livro considerado raro (pelo menos por quem o vendeu):
“Pequena Medicina ou Noções rudimentares de medicina prática ao alcance de
todos”, de 1931, de autoria do Dr. Leonardo. No referido livro ele é
apresentado como “Doutor em medicina pela faculdade de Paris e laureado pela mesma
faculdade”.
Creio também
tratar-se de um dos primeiros livros de autores da terra, (junto a livros do
seu irmão, Joaquim Arcoverde como "A
Mulher Cristã, "Síntese de Filosofia", "Federação Católica" etc.). Aproveito para apresentar aos leitores
as fotos que estão em duas páginas onde são mostrados os pais e irmãos. Do
texto apenas transcrevo um parágrafo da introdução:
“A ‘Pequena Medicina’ é um livrinho modesto,
uma cartilha que podem ter sempre à mão os chefes de família, os amadores de
medicina, os farmacêuticos, os vigários e os doutores baratos, quando falta o
médico verdadeiro, ou quando a moléstia, já conhecida e de natureza benigna,
não exige grandes conhecimentos clínicos”.
Antônio de Albuquerque Cavalcanti (Capitão Budá) e sua
esposa Marcolina Dorothéa Pacheco do Couto.
“Antônio Francisco de Albuquerque
Cavalcanti, o capitão Budá (1822-1870), nascido na Fazenda Fundão, da qual, com
a morte do pai, em 1843, tornar-se-ia proprietário...por muita gente era
considerado um matutão de poucas falas, rude, malvado, incivil, inculto, no
entanto o que quase ninguém enxergava nele era a extraordinária percepção que
tinha das coisas do mundo e do futuro de seus filhos, tipo dotado de muito tino
administrativo, criatura admiravelmente previdente. Excelente chefe de família, desde cedo
cuidara da instrução dos filhos, nove ao todo... Meigo, compreensivo, bondoso, o
extraordinário capitão Budá contentava a todos os filhos, sem exceção,
permitindo que cada um deles traçasse o seu próprio destino na vida e, para os
melhores educandários da Europa, enviava-os. Por um capricho da sorte, não
chegaria a ver a formatura de qualquer filho...”. (Nelson Barbalho, em “Caboclos de Urubá” – Recife, 1977).
“Algum tempo antes de sua morte, a esposa
retirou-se, um dia, do seu quarto, com os olhos cheios de lágrimas (o capitão tem-se
a impressão que morreu de um tumor malígno do estômago,
em consequência de desgosto pelo assassinato de seu velho pai). Budá chamou-a e
disse-lhe o seguinte: — `Contenha-se
que isso é natural. Eu morro hoje, você morre amanhã, nossos
filhos morrerão depois"... E o velho e grande capitão tinha
razão. Não há nada mais natural do que a morte. Todos nós, um dia, iremos
embora deste mundo e, quando chegar a hora
da grande viagem, pai, mãe, esposa, filhos, irmãos, amigos,
ninguém poderá fazer coisa alguma. O que Budá pediu a esposa
antes de morrer foi que cuidasse da educação dos filhos até o fim”. (Luís Wilson, em
“Roteiro de velhos e grandes sertanejos – 6”- Recife, 1978). E nesse mesmo
tópico do livro está a citação do seu filho, Dr. Leonardo: “É...
Contam muitas estórias do meu pai, mas ele era um homem de bem, um homem bom e
um homem extraordinário.”
1- Cardeal Joaquim Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti;
2 - Cônego Antônio Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti; 3 - Dr. Leonardo
Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti
4 - Dr. Francisco de Albuquerque Cavalcanti; 5 - Dr.
Antônio de Albuquerque Cavalcanti e 6 - Jerônimo Arcoverde de Albuquerque
Cavalcanti
Dr. Leonardo
Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti e sua esposa Carolina de Caldas Lins
“Na
Fazenda Fundão nasceram todos os filhos de Antônio Francisco de Albuquerque
Cavalcanti e de sua esposa D. Marcolina Dorothéia Pacheco do Couto: o 1º. D.
Joaquim Arcoverde, em 1850. 2º. Cônego Antônio Arcoverde de Albuquerque
Cavalcanti, 1851. 3º. Capitão Jerônimo Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti,
1852. 4º. Tereza Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti, 1853. 5º. Dr. Leonardo
Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti, 1855. 6º. Dr. Francisco de Albuquerque
Cavalcanti, 1956. 7º. Ana Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti. 8º. Maria
Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti, 1864. 9º. Dr. Antônio Francisco de
Albuquerque Cavalcanti, 1869.”
Luís Wilson. “Município de Arcoverde (Rio Branco)” – Recife, 1982.
E aproveito
para acrescentar que o segundo médico nascido na terrinha foi o irmão do Dr.
Leonardo: Dr. Francisco de Albuquerque Cavalcanti (nasceu na Fundão, em 4 de maio de 1856; faleceu em 2 de maio de
1937); foi doutor em medicina pela Universidade de Montpellier, na França.
Casou-se e viveu em São Paulo. O Dr. Leonardo foi pai do médico Dr. Leonardo
Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti Filho. Como curiosidade, o Jerônimo
Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti foi o único filho do Cap. Budá que não
estudou na Europa e ficou para ajudar o velho na Fazenda Fundão. Já o Dr. Antônio de Albuquerque Cavalcanti era bacharel em direito. Estas e outras várias
informações sobre a família Arcoverde foram compiladas e estão no link https://tinyurl.com/ybqz37yu
Mas agora
volto meu olhar para outro aspecto genealógico, como já fiz em outros escritos.
Na inserção dos entrelaçamentos familiares no site www.lanta.myheritage.com que desenvolvo, encontrei casamentos
entre os descendentes do meu bisavô Salviano Bezerra Leite Melo e os Arcoverde.
Para entender melhor, damos um mergulho mais profundo no tempo: no alvorecer do
século 19, vindo de Floresta do Navio-PE, Francisco Gomes de Sá se casa com
Joana e, entre vários filhos, nasce Joaquina Francisca de Sá (que se casou com
meu bisavô Salviano Bezerra Leite de
Melo) e, em 1830, nasce Antônio Gomes de Sá que, casado com Joaquina Francelina
de Melo tiveram, entre outros filhos,
Luiz Marques de Mello (“Lulu” 1862-1946). A primeira filha do meu bisavô
Salviano, Maria Vieira de Melo (“Sinhara” 1865-1946) casou-se com este seu
primo em primeiro grau e três das suas filhas se casaram com três irmãos da
família Arcoverde. Virgínia Marques de Melo (“Virge” 1883) com André Arcoverde
Cavalcanti Neto, Adelina Marques de Melo (“Dilú” 1885-1969) com Joaquim
Arcoverde Cavalcanti (“Sinhô” 1883-1950) e Josefa Marques da Conceição (“Juca”
1891) com Luiz Arcoverde Cavalcanti Filho (“Lulinha” 1882-1952). Eles eram
filhos de Luiz Cavalcanti Arcoverde e Izabel de Oliveira Souza. O pai do Luiz Arcoverde Cavalcanti foi André de Albuquerque Cavalcanti Arcoverde (nascido em
20-5-1824) que era irmão de Antônio Francisco de Albuquerque Cavalcanti (o Cap. Budá), pai dos
irmãos Leonardo e Francisco, os médicos nascidos na fazenda Fundão, como vimos
acima. Como informação, o avô do André, do Cap. Budá e de muitos outros irmãos
foi o Capitão André Cavalcanti de Albuquerque Arcoverde (1753-1829 – casou-se
em Conceição da Pedra, hoje Pedra-PE), que por muito tempo assinou como André
Arcoverde “e parece ter sido o primeiro da família, nos séculos 18 e 19, a adotar
este nome [Arcoverde]” (Luís Wilson “Ararobá, Lendária e Eterna”,
Pesqueira, 1980). Para fixar melhor: este André Arcoverde (que adotou o
Arcoverde, nome do cacique pai da princesinha ameríndia Muirá-Ubi que foi uma
das esposas do fidalgo Jerônimo de Albuquerque, da sua ascendência), era avô do
André (pai do Luiz) que era avô do André casado com “Virge” (que teve 9
filhos...). Além dessas três filhas (casadas com os Arcoverde), o casal “Lulu e
Sinhara” tiveram Joaquina Marques de Melo (“Pintinha” 1890-1974), Salviano
Marques de Melo (“Vião” 1893-1968) e Maria Vieira Filha (“Nenê” 1901-1976). Uma curiosidade contada por familiares é que “Sinhara”
e Virgínia “tinham os olhos cor de pedra-lipes”.
E a moda dos
sites genealógicos e seus aperfeiçoamentos têm me permitido gratas surpresas. Além
de saber que este ramo da minha tia-avó “Sinhara” (que viveu até o fim da vida
em Buíque-PE) é hoje uma bela família, esparramada principalmente no sudeste do
país. Preso aos dados cartoriais da Pedra e Buíque eu só podia contemplar os
ramos dali. A internet me pôs em contato com muitos parentes e o site http://www.myheritage.com.br/site-family-tree-78109233/marques-de-melo-silva me deixou ver gerações mais recentes, a cara
de tanta gente nova e bonita, que antes só podia imaginar.
Para mostrar
outro entrelaçamento das famílias Salviano e Arcoverde e, mais uma vez, com
filho do mesmo André, irmão do cap. Budá, começo com o ramo de Francisco Campelo
de Albuquerque, um recifense que veio provavelmente no final do século 18, começo
do 19, para Conceição da Pedra (hoje Pedra-PE) e casou-se com Maria Bezerra de
Albuquerque, meus trisavós paternos. Dos filhos deste casal destaco Luiza
Campelo de Albuquerque e Nuno Campelo de Albuquerque. Luiza se casou com José
dos Santos Cavalcanti, meus bisavós, que entre outros filhos tiveram minha vó “Marica”,
Maria Wanderley de Albuquerque (1867-1956), mãe do meu pai, Pedro Salviano de
Albuquerque (1895-1963). Já Nuno Campelo de Albuquerque se casou com Leonarda
de Araújo Cavalcanti e, em 1872 nasceu Tereza Campelo de Albuquerque que se
casou com Francisco de Albuquerque Arcoverde (nascido em 1867). Este Francisco
foi um dos vários filhos do André Cavalcanti de Albuquerque Arcoverde, do seu
segundo matrimônio, com Cordulina Tenório de Albuquerque (o seu primeiro
casamento foi com Maria Rosalina Cavalcanti, este, citado em algumas
publicações).
Para
complementar o tema, cito o Dr. Luís Coelho, que foi o primeiro médico a se
estabelecer profissionalmente em nosso município. Ele nasceu em 1895 em Bonito-PE e estudou na
Faculdade da Bahia. Chegou a Rio Branco (Arcoverde) em 1920. Em 1930 tornou-se
o segundo prefeito (nomeado) que tomou posse, permanecendo no cargo até 1935,
quando deu um impulso transformador na nossa antiga vilazinha, de poucas ruas. Foi,
depois, eleito deputado estadual. Foi o primeiro proprietário de Casa de Saúde.
Faleceu em 26 de dezembro de 1985. Eu o
conheci e também fui amigo do seu filho Luís Coelho Filho, médico nascido e
radicado em Arcoverde (como muitos outros) que faleceu este ano. Mais dados
sobre o veterano Dr. Luís Coelho podem ser lidos em https://tinyurl.com/y9k648mr
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