Muirá-Ubi. Quem?
JORNAL DE ARCOVERDE
Edição 265 – Janeiro/Fevereiro de 2012 – Caderno 1, pág.3
Muirá-Ubi – Quem?
Pedro Salviano Filho
Muirá-ubi, agora nome de
restaurante, web-rádio, livro, canção etc., vai ganhando espaço como um ícone
em nosso município. Essa palavra vem da língua indígena Tupi: Muira significa madeira pra arco e ubi representa verde. Daí vem o nome Arcoverde.
Mas,
quem foi mesmo Muirá-Ubi? Será que foi uma linda princesinha, filha do cacique
Arcoverde, que salvou um português para se casar com ele? Ou era apenas o nome
do pai dela, o tabira tabajara? Quando e onde moravam? O que têm a ver com
nosso município? E, lembrando esta miscigenação luso-brasileira, qual foi a
base da formação populacional do nosso município? Respostas para algumas destas
questões já foram apresentadas anteriormente nesta coluna. Ver na web em https://bit.ly/2zEJ9hM . Nesta oportunidade
aprofundamos alguns temas sobre outras perguntas.
No
artigo Genealogia e linhagem dos
Albuquerque – Cavalcanti (Adalzira Bittencourt - Revista Genealógica
Latina, Volumes 8-11; pág. 225-233), pode-se ler (pela web em http://bit.ly/xripdy) uma descrição de vários
aspectos genealógicos que darão informações interessantes sobre o assunto.
Porém, resumidamente, no site http://bit.ly/yCNWC5
tem-se que A história dessa família começa no Brasil colonial, quando da criação
pelo reinado de Portugal das capitanias hereditárias, em 1535, como forma de
povoar a colônia, protegê-la dos invasores e garantir à coroa a arrecadação
sobre suas riquezas... Jerônimo de Albuquerque foi um dos melhores Capitães e
uma das figuras das mais notáveis da colônia iniciante, lutando nos Montes
Guararapes contra os índios que impediam a ocupação portuguesa e onde perdeu um
olho, atingido por uma flecha... Foi feito prisioneiro pelos índios, condenado
à morte e uma índia filha do cacique Tabajara, Muira-Ubi, foi selecionada para
ser sua companhia na última noite de vida neste mundo, conforme o hábito dos
índios. No momento em que se preparavam para devorá-lo ela intercedeu pedindo
para não matá-lo. Ele casou-se segundo os ritos da tribo com a índia Muira-Ubi,
depois batizada com o nome de Maria do Espírito Santo Arcoverde. Jerônimo de
Albuquerque tinha então 22 ou 24 anos. Desta união foram gerados 8 filhos,
todos legitimados em 1561. Quis casar-se na Igreja com Muira-Ubi mas a Rainha
Catarina da Áustria, que reinava em Portugal durante a menoridade de seu filho
Sebastião, recusou obrigando-o a casar-se com Filipa de Melo, filha de Cristóvão
de Melo. Assim, com 55 anos casou-se e teve 11 filhos. Além disso, teve também
mais 16 filhos bastardos com outras mulheres, brancas, índias, mamelucas e por
isso foi também chamado de «O Adão Pernambucano».
O
romance/paródia/picaresco, O Tetraneto
Del-Rei – Livraria Francisco Alves Editora, 216 páginas, 1982 – Rio de
Janeiro – de Haroldo Maranhão (Prêmio Guimarães Rosa de 1980) ironiza aqueles
primórdios da colonização brasileira: [Pág. 184]
Entre morto comido e morto casado, embora até chegasse a vacilar, acabei
por que me casassem, que não vou a casar-me, casam-me. A bugia é fea, bronca e
glabra, a mais um homem se assemelha, a um anão, que é breve de estatura, um
anão sem carnes, magro anão, em que mais se avulta é o nariz, grosso e
espalhado na cara. Não se sabe o que lhe passa à cabeça, que nada diz, ruge
como bicho, um ronco que mais ao ronco do pai parece. Caso-me com uma parva,
filha de parvo, uma entre mil parvos, um tronco de árvore que cabelos só os tem
à cabeça, lisos, negros e de mau cheiro. Ela não desprende o olhar estúpido de
minhas vergonhas, fiando em nelas deleitar-se. Tal publicação mereceu algumas interessantes
análises que os interessados podem conferir em https://bit.ly/3bEz95r
e https://bit.ly/3bIW67K.
No
prefácio do livro Gente de Pernambuco,
vol.3,pág. 7, de Orlando Cavalcanti (Recife, 2000) lê-se A família Cavalcante de
Albuquerque tem origem em Jerônimo de Albuquerque, irmão de dona Brites, esposa
do donatário da Capitania de Pernambuco Duarte Coelho Pereira. De Jerônimo
procedem as principais famílias do Nordeste. De sua ligação com a índia Maria
do Espírito Santo Arcoverde nasceu, como filha mais velha, Catarina de
Albuquerque. Estes filhos foram posteriormente legitimados. Por eles grande
parte da população nordestina e todos os Albuquerque, Lins de Albuquerque,
Albuquerque Maranhão, Cavalcanti de Albuquerque, entre muitas outras famílias
levam sangue índio em suas veias.
Jorge
Caldeira em A Nação Mercantilista -
Ensaio sobre o Brasil. Editora 34 Ltda. 1999.São Paulo, pág. 47 http://bit.ly/yukAIh
analisa: A fixação da gente de Duarte Coelho só foi possível graças a uma série
de casamentos entre colonizadores e índias... Os colonizadores tinham seu
espaço próprio, sua "maloca". Para ela mudaram-se as mulheres
indígenas, com destaque para a mulher do cunhado do donatário, Jerônimo de
Albuquerque: Muirá-Ubi (mais tarde batizada com o nome de Maria do Espírito
Santo Arcoverde - e este último nome foi empregado por alguns descendentes para
ressaltar a origem indígena da família), filha de um chefe tabajara. ... A própria
rainha Catarina, tutora do rei d. Sebastião, sabia da situação em que vivia
Jerônimo de Albuquerque e tentou emendá-la, determinando ao fidalgo que se
casasse com mulher a sua altura, sem obter sucesso total. Jerônimo casou-se de
fato com Felipa de Melo - assim como as relações com os chefes aliados que tais
ligações pressupunham.
Curiosamente
vemos que o nome Arcoverde, como revelam alguns pesquisadores, começou a ser
usado por André Cavalcanti de Albuquerque, que nasceu em 1753 e faleceu em
1829. Na verdade ele era filho de Simeão Correia de Lima e Vitória de Moura
Bezerra Cavalcanti. Possivelmente uma homenagem ao sangue indígena da sua
mulher, Úrsula Jerônima Cavalcanti de Albuquerque, que foi realmente da nona
geração do Torto com Muirá-Ubi (Jerônimo de Albuquerque e Maria do Espírito
Santo Arcoverde)- ver: http://bit.ly/z1l3oe
. Através da primeira
filha deste casal é que se chega à citada Úrsula. Ela se chamava Catarina de
Albuquerque (a velha) que se casou com Filippo di Giovanni Cavalcanti, nascido
em 12 de junho de 1525, em Florença - Itália. Foram pais de Antônio Cavalcanti
de Albuquerque que, em 1580, em Olinda, casou-se com Isabel de Holanda Góes e
tiveram Isabel de Holanda Cavalcanti de Albuquerque. Esta se casou com Manoel
Gonçalves Cerqueira e tiveram Antônio Cavalcanti de Albuquerque que, casado com
Margarida de Souza foram pais de Leonarda Cavalcanti de Albuquerque. Leonarda
se casou com Cosme Bezerra Monteiro e tiveram Brásia Bezerra Cavalcanti de
Albuquerque. Do casamento desta com Manoel de Araújo Cavalcanti nasceu Maria de
Araújo Cavalcanti de Albuquerque (faleceu em 1753) que se casou com Manoel
Leite da Silva (faleceu em 1791) e tiveram Luiz Cavalcanti de Albuquerque
(nasceu em 1728 e faleceu em 1780) que se casou com Maria Tereza da Soledade,
sendo pais de Úrsula Jerônima Cavalcanti
de Albuquerque. Úrsula casou-se com André
Cavalcanti de Albuquerque em Conceição da Pedra (hoje Pedra-PE).
Nelson Barbalho, em Caboclos de Urubá (Recife, 1977 – Cap.
27, pág. 115), esclareceu: O capitão André Arcoverde foi tronco de
várias famílias pesqueirenses, dentre as quais evidenciam-se as Cavalcanti de
Carvalho, Arcoverde, Brito Cavalcanti, Albuquerque Cavalcanti. Dos seus 13
filhos, seis adotaram o cognome da família — Cavalcanti de Albuquerque, mas os
outros procuravam, entre avós, bisavós e tetravós, designações afins, dai
aparecendo os Drummond, Correia Cavalcanti, Oliveira Pessoa, Alves Melo, Bezerra
Cavalcanti, Brito, Tenório de Albuquerque, etc.
André começou a assinar seu nome
como André Arcoverde e seu terceiro filho recebeu o nome de Jerônimo de
Albuquerque Arcoverde Camarão. Este se casou com Tereza de Siqueira Cavalcanti
(moça integrante do grupo familiar chamado «Os 20 de Pesqueira»), e o 4º. filho
deste casal foi Antônio Francisco de Albuquerque Cavalcanti (1822-1870), o
Capitão Budá, proprietário da Fazenda Fundão, que se casou com Marcolina
Dorotéia Pacheco Couto (filha do pioneiro Leonardo Pacheco Couto. Ver https://bit.ly/2ZahQGY). Deste casal nasceu,
entre outros filhos, Joaquim Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti, o Cardeal
Arcoverde, já na décima segunda geração do Torto e Muirá-Ubi.
Assim
como nosso município passou a se denominar Arcoverde em homenagem ao primeiro
Cardeal da América Latina, outro município de Pernambuco passou a ter o nome de
Tabira, que foi o pai de Muirá-Ubi. O nome Espírito Santo, conservou-se até
1938, quando o governo do estado, fazendo revisão em alguns dos nossos
topônimos, mandou à nossa vilazinha, o emitente historiador Mário Melo, que
juntamente com as lideranças locais, acordaram na mudança para Tabira. Era uma
homenagem, sem dúvida, ao velho cacique da outrora Marim dos Caetés, e depois
Olinda de Duarte Coelho, de nome Muirá-Ubi (Arcoverde), que teria sido, para
alguns dos nossos historiadores, o lendário Tabira, da Tribo dos Tabajaras,
aliados dos portugueses contra os holandeses. Em http://bit.ly/wavCvk.
Agora
vamos à mistura de gentes que hoje forma o nosso município de Arcoverde. Em Cronologia Pernambucana. Subsídios para a
História do Agreste e do Sertão. 10º vol. Recife. 1983. Pág. 198– Nelson
Barbalho registrou: ...no princípio do século XIX, o elemento
branco ainda constituía a minoria (forte) de sua sociedade; e o mestiço – ali
considerado cabra, cabrocha, mulato, cabelo-mal-com-Deus, moreno – formava a
grossa maioria desunida entre si, pobre, desorientada e, consequentemente,
fraca. Seu número de pretos equivalia, mais ou menos, ao de índios, com esta
diferença fundamental: dia a dia a tendência destes era de diminuir, enquanto a
daqueles era de aumentar. Os donos das terras agrestino-sertanejas eram os
brancos; os trabalhadores escravizados eram os pretos e alguns índios; e os
trabalhadores considerados livres, embora paupérrimos, eram os mestiços. Regra
geral, os brancos eram portugueses ou descendentes diretos de lusitanos,
constituindo exceção rara o branco puro nascido de pais oriundos de outras
nações europeias. Os mestiços agrestino-sertanejos eram produto do cruzamento
de portugueses com negras africanas, ou de portugueses com crioulas, ou de
portugueses com índias tapuias, ou de portugueses com mestiças luso-brasileiras
ou afro-lusitanas, ou ainda de próprios mestiços com africanas ou com outras
mestiças. Os africanos, em grossa maioria, eram importados de Angola.
Essencialmente brasileiros só havia os tapuias, cariris, embora já se
considerassem puramente nativos do Brasil vários grupos, numericamente
expressivo, de mestiços filhos e netos de outros mestiços. Este o panorama
sócio-populacional do agreste e do sertão agora em 1806....
A
partir desses dados é possível chegar a um conceito mais próximo da realidade
para um melhor entendimento da origem do nosso povo.
A casa de Antônio Francisco de Albuquerque Cavalcanti (o
Capitão Budá), na Fazenda Fundão, hoje no município de Arcoverde onde nasceram
D. Joaquim Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti e todos os seus irmãos.
Fotografia do ano de 1935, onde se vê, entre outros, D. Adalberto Sobral (Bispo
de Pesqueira), o Cel. Manuel Mulatinho, “seu” Ernesto Lima e Antônio Napoleão
Arcoverde. (Foto à esquerda e legenda do livro “Roteiro de velhos e grandes
sertanejos” - vol. 8 - pág.899. Luís Wilson, Recife, 1978). Abaixo, foto atual.
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