Vaquejada
Pedro Salviano Filho
JORNAL DE ARCOVERDE
edição 254 – Maio/Junho de 2010 – pág. 10
ARTIGO ESPECIAL
Acho que a primeira vaquejada que vi foi numa das animadas Exposições
do Campo da Sementeira, na Fazenda Experimental, em Arcoverde. Isso faz pouco
mais de 50 anos. Havia um locutor-animador que, ao anunciar o próximo
concorrente, de nome Napoleão, gritava “quero ver se ele é Bonaparte ou bom na
pista!” Com a minha cabecinha de criança eu não imaginava que aquela atividade,
a derrubada das reses, estava tão ligada à nossa tradição.
Tudo aquilo era muito bonito: as roupas, o povo reunido, o
som do alto-falante, as barracas com doces, o pai, a mãe, os irmãos e todo
mundo ali vendo aquelas coisas sempre alegres e que ao mesmo tempo davam medo...
Era emocionante. Tornou-se inesquecível. Lembro até de uma exibição de
paraquedistas, e de um deles que caiu em cima de um mandacaru; coitado! Como
criança, pensava que o mundo inteiro era daquele jeito, como nós, como a nossa
cidade.
Com o passar do tempo outras vaquejadas aconteceram e sempre
com novas emoções: o som emocionante, a expectativa do corre-corre, das
derrubadas, os colegas e as colegas, estas cada vez mais bonitas... Devagar fui
entendendo o jeito de ser da nossa gente e como tudo aquilo veio a se formar.
Além dos comentários dos moradores mais antigos, os livros e a internet vieram
me informar sobre os primeiros moradores, a colonização portuguesa e como tudo
ocorreu, começando com a necessidade de se povoar e, para isso, utilizando-se
do gado sendo levado do litoral para o interior do nordeste (o famoso ciclo do
gado).
De acordo com o escritor Capistrano de Abreu, em sua obra
“Capítulos de História Colonial” (http://bit.ly/ck0aOS),
as margens do rio São Francisco foram a primeira rota para se levar o gado e ocupar
o vasto e inexplorado sertão nordestino.
Conta-nos Luis Wilson, no seu livro “Minha Cidade, Minha
Saudade”, que, onde Arcoverde está hoje, Serra da Aldeia Velha, havia “uma
tribo de índios denominada Xucurus (da nação Tapuia), oriunda, sem dúvida, da
Serra de Ororubá”.
Já Nelson Barbalho, em “Caboclos de Urubá”, revela como o
português Pantaleão de Siqueira Barbosa desbravou a região do rio Moxotó,
fundando fazendas (a primeira foi no “Poço do Boi”), construindo mundos,
efetivando sua obra civilizadora (faleceu muito rico, em 1792), tal e qual
viria também a fazer em Urubá, o fundador da povoação da Pedra – capitão Manuel
Leite da Silva.
Assim, desde os primeiros desbravadores, percebe-se um forte
vínculo do sertanejo com o gado. Como este era criado solto, sem cercas para
contenção, carecia da habilidade e coragem dos vaqueiros para o seu manejo.
Tocando a boiada, abrindo novos caminhos, eles foram os que realmente
colonizaram o nordeste brasileiro.
Um dos importantes caminhos para que o gado chegasse ao
litoral era o que passava por Pedra, com seu lajedo formidável, oferecendo água
fresca todo o ano e descanso recuperador para o gado. Para fugir de uma seca, o
meu bisavô, Salviano Bezerra Leite de Melo, tocou seu gadinho desde Cajazeira -
PB e veio se estabelecer na Pedra. Casando-se em meado do século XIX, deu
início a um novo tronco familiar, usando para isso o seu nome (daí a origem dos
Salvianos da Pedra).
Por volta da década dos 1870, bem antes de adquirir sua
fazenda “Riacho do Pau”, na Pedra, o meu avô, Francisco Salviano de Melo Lanta
(www.lanta.myheritage.com), ainda
rapazinho, foi vaqueiro de André Arcoverde na fazenda deste, em Cimbres (Pesqueira-PE).
Naquela época ainda não estavam estabelecidas as vaquejadas,
que se iniciariam no começo do século XX. Isto, segundo Luís da Câmara Cascudo em
"A vaquejada nordestina e sua origem" e Eriosvaldo Lima Barbosa em "Valeu
boi! O negócio da vaquejada".
E como eram as vaquejadas na primeira metade no século
passado?
Pra saber isso, recorri ao autor paraibano Wilson Seixas. Ele
conta em “Os Pordeus do Rio do Peixe” que Bazílio Silva, da família Pordeus,
falecido em 1948, “... foi um sertanejo alegre e bonachão. Gostava de boas
festas. Seu fraco, porém, eram as vaquejadas, pitorescas funções que se
realizavam, não como hoje, nas cidades, mas nas próprias fazendas às quais
muita gente comparecia para glorificar os bons cavalos e os vaqueiros peritos
na queda de um novilho. São curiosos os costumes do povo sertanejo”.
E este autor cita outro, Romeu Mariz, que escreveu no seu
livro “Crônicas Sertanejas” sobre as vaquejadas, de onde pincei algumas frases:
“Realizavam-se elas com o escoar das primeiras águas, em abril, quando os
campos estão mais enxutos, os massapés não atolam, e o gado está gordo, refeito
e anda em manadas ou marrombas, como chamam os sertanejos, escaramuçando pelos
escalvados. O acordo para essas reuniões é feito no dia de feira, entre os sólidos
fazendeiros. Também os vaqueiros da fazenda onde se vai realizar a função têm
os seus convidados ou por outra o maior número de convidados”.
Vejam ainda a preciosidade do que foi resgatado neste livro:
“É engraçado vê-los com as vestimentas de couro, gibão,
perneiras e guarda-peito, grossa espora de rosetas largas no sapatão de barriga
de sola, travarem uma palestra. – Entonce cumpadre Manoé, condo é o adjunto lá
do capitão? – Quinta-feira se Deus quizé. E eu lhe ispero lá cumpadre, queu
quero vê a fama do seu cavalo. – Apois pode esperá cuma sem farta e bote sebo
nas canela do seu, cumpadre, queu prá fazer a barba dele apeio o meu das mão...
No dia aprazado lá compareceram na Lagoa Redonda mais de duzentos cavaleiros,
uns montando magníficos ginetes, feitos no serviço do gado, outros cavalgando
animais ronceiros, pesados, que nem ao menos serviam para atalhar uma rés que
‘espirrasse’ do bando...”
Ele registrou ainda:
“As vaquejadas, convém saber, não se realizam somente para a
derrubação do gado no mourão da porteira e nos campos. Têm por fim principal o
beneficiamento dos bichos novos, novilhas, novilhotes etc, cujas pontas são
serradas, procedendo-se depois à castração. Aproveita-se também o momento para
a pega de bois de boiada, propriamente ditos, e para a fecundação das novilhas
e vacas ariscas, que falharam a parição no começo do inverno. Por estas
ocasiões os vaqueiros se divertem também em afrontar touros bravios, nos
currais, desviando-se com pasmosa agilidade das suas investidas e dando-lhe na
cara com o chapéu de couro. É uma brincadeira temerária, que coloca a bravura e
a destreza dos sertanejos acima das dos melhores toureiros.”
Se o leitor quiser saber mais sobre a formação da nossa
cultura, pode ler o trabalho do vaqueiro-escritor Evandro Araujo Branco (filho
do Lula Branco, de Garanhuns), que há poucos anos apresentou seus dois volumes
de “Vaquejadas do passado”.
Para aqueles que desejarem informações sobre as vaquejadas
modernas, podem acessar a web. Em https://repositorio.ufrn.br/jspui/bitstream/123456789/12253/1/EspetaculoCabraMacho_Aires_2008.pdf
Francisco J. F. Aires apresenta sua dissertação “O Espetáculo do cabra-macho: um
estudo sobre os vaqueiros nas vaquejadas do Rio Grande do Norte".
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