Alguns causos do sertão
JORNAL DE ARCOVERDE N. 281 –
setembro/outubro de 2014 – p.11
Alguns causos do sertão
Pedro Salviano Filho
Capitão Budá – 1821-1870 – Foto do livro de Luís Wilson Roteiro de velhos e grandes sertanejos,
1º volume, pág.265.
Hoje já se pode navegar pela web por muitos municípios pernambucanos
(e de quase todo o mundo) pelo Google
Street View (ex. http://www.instantstreetview.com/
) . Para usar esta ferramenta basta clicar e arrastar o mouse e, assim, visitar
tantas cidades, localidades e estradas, sem se levantar da cadeira, tendo-se
vistas panorâmicas de 360° na horizontal e 290° na vertical. Lançado em 2007
(no Brasil em 2010), este recurso que já colocamos alguns links em artigos
anteriores já chegou à Pedra (http://goo.gl/dU8h1h
) permitindo aos saudosistas e curiosos, uma viagem virtual por aqueles lugares
que há tempos não são visitados. A casa,
a escola, as ruas... Como estão agora?
Aproveitando a carona deste
modernismo, que tal uma visita também aos velhos tempos do desbravamento dessa
região sertaneja, dos quais alguns historiadores puderam registrar alguns dos
tantos fatos pitorescos? Assim, muitos
causos (aquela pequena história, nem sempre verídica...) estão espalhados por
muitas obras, num resgate da cultura popular.
Mais com a ideia de provocar, de
atiçar a curiosidade de leitores para a história da nossa região, pinçamos
alguns causos.
Do autor Ulisses Lins de
Albuquerque (1889-1979), entre suas obras (várias facilmente adquiríveis, por
ex. em https://bit.ly/2Xx18PD Um sertanejo e o sertão; https://bit.ly/2TDt4zV - Três
ribeiras e https://bit.ly/3c2hN2C Moxotó brabo ) reproduzimos de Um sertanejo e o sertão – 2ª
edição, Rio 1976 – pág.107, um pequeno
texto sobre o português Pantaleão de Siqueira Barbosa, mestre de campo,
fundador do povoado de Jeritacó, célebre pelas sesmarias e fortuna que deixou.
« Pantaleão de Siqueira mereceu a alcunha de
"Pica-enxu", pelo seguinte
episódio : uma tarde, nos arredores de Jeritacó encontrou um "enxu verdadeiro" (vespa) e, indo
tocá-lo, foi ferroado por um enxame
de abelhas que protestaram contra a sua curiosidade em examiná-lo. Então, o português puxou do espadagão e
espatifou o "enxu", bradando — é
o que dizem os seus descendentes: "O
diavos! Benham de uma em uma mas não de binte em binte!" Ficou sem enxergar — tal a inchação do rosto, com
as picadas das abelhas — e, chegando
em casa, com dificuldade, teve de recorrer
ao clássico purgante de cabacinho. Ficou conhecido por "Pica-enxu" — denominação que, por ironia, é dada
ainda hoje aos seus descendentes.
Este episódio me
era contado por minha mãe e outras pessoas da família, mas sempre supus tratar-se de uma lenda!
Entretanto, quando em 1922
fui ao Jeritacó, conversando com o velho Joaquim Inácio de Siqueira Cavalcanti com 96 anos mas
completamente lúcido, bastante
inteligente —, bisneto do português Pantaleão, disse-me ele que a história era verdadeira, pois a
ouvira do pai e do avô. E narrou-me outros feitos de
Pantaleão, inclusive a luta por ele travada
com uma onça-pintada o tigre sertanejo — a qual era conhecida entre os vaqueiros como a
"papa-úbere", porque, matando as novilhas, só lhes comia o úbere. . .
Encontrando-se com a onça, o português
gritou para o seu cachorro Touro, açulando-o contra a fera e o
enorme cão a enfrentou, com ela se
engalfinhando. De vez em quando Pantaleão bradava: "Segura a onça, Touro!" Mas, ao verificar que o cão estava muito ferido e não podia vencer a batalha, segurou a onça
pela cauda e passou a vibrar-lhe
golpes sobre golpes com o seu espadagão, até abatê-la. Cortando-lhe uma das mãos, nas raízes de
uma caraibeira, conhecida por
"craibeira dos herdeiros" e que depois passou a chamar-se "craibeira do tigre", levou-a para
casa e de lá mandou buscar o Touro que, de tão ferido, não pudera
acompanhá-lo — extenuado da luta. E
quando lhe perguntaram por que não matou logo a onça, para evitar o sacrifício do cão, ele
respondeu que "foi porque queria ber qual dos dois era o mais balente».
O episódio do enxu também mereceu do autor Nelson Barbalho (Caboclos de Urubá, Recife, 1977, pág.
101) uma versão à moda lusa: « - Ô diavos dos seiscentos! Benham d´uma em uma, não de binte em
binte, suas cubardes, ora pois pois!”
Já Luís Wilson, em Minha cidade,
minha saudade, Recife, 1972, pág. 90, conta estes causos do famoso capitão
Budá (que também é nome de rua em Arcoverde http://goo.gl/NbOvXC ), tantas vezes já mencionado nesta coluna. Sua famosa fazenda Fundão (porém,
ao que parece, pouco explorada turisticamente) pode ser vista, de longe, pelo StreetView
(http://goo.gl/zyuJuK).
Fazenda Fundão, na atualidade, vista da estrada 424
(Arcoverde-Pedra).
A casa da fazenda Fundão, palco de muitos acontecimentos.
Fotos PSF.
«O capitão Budá (Antônio
Francisco de Albuquerque Cavalcanti) (...) era, no entanto, sob certos
aspectos, um homem imprevisível e formidável. Uma tarde, atiraram em Budá na
fazenda Fundão. Ele pegou o cabra, meteu-o no “tronco” e foram 9 dias de
sofrimento, em frente à casa grande da fazenda. Soltou depois o sujeito e
mandou-o embora.
O homem pediu para ficar,
alegando que não tinha para onde ir e que havia compreendido, durante aqueles
dias, no pátio da fazenda Fundão, que Budá era um homem bom, adiantando que se
ele fosse o capitão o teria matado.
Budá deixou, então, o homem
ficar, em sua fazenda, e ele foi, dali por diante, o cabra de sua confiança, em
suas viagens ou por onde ele andava.
Em outra ocasião, chegou um
trabalhador no Fundão e pediu emprego. O Cap. Antônio Francisco mandou o homem
trabalhar. Uma semana mais tarde, apareceu uma onça, na fazenda, e os escravos
e empregados começaram a persegui-la, até que, à noitinha, ela se meteu em uma
das furnas existentes naquela redondeza. A onça já estava acostumada a, vez por
outra, pegar uma criação de Budá.
Cercaram a loca, até que, logo
depois, chegou o Capitão. — "Essa onça, ainda hoje, ou amanhã, ou daqui a
3 dias tem de sair deste buraco e nós matamos", disse um dos empregados.
Pediu, então, o homem, para lhe
amarrarem os pulsos com uns pedaços de pano velho e com uma pistola e um facão
emburacou na furna em que estava a onça. Um segundo depois, só se ouvia o
barulho lá dentro, aparecendo enfim, o caboclo na boca da loca, alguns
instantes mais tarde, com a onça morta. Sangravam, ambos, da cabeça aos pés.
Budá levou o homem para casa,
tratou-o e, quando ele estava curado, disse-lhe o seguinte: - "Você não
vai ficar mais no Fundão. Vou lhe pagar, vou gratificá-lo bem, e mando deixá-lo
onde você quiser. É só você dizer para onde quer ir".
Mas, Capitão — perguntou o caboclo surpreso —
eu fiz alguma coisa que desagradasse ao senhor?
— Não — respondeu Budá — mas aqui
você não fica mais. Não quero na minha fazenda um homem mais valente do que eu.
E, na realidade, pagou ao cabra, gratificou-o e mandou-o embora.
Assim era o Cap. Antônio
Francisco de Albuquerque Cavalcanti, homem bonito, de feição fidalga, serena, e
de quem ainda hoje se fala no mundo em que ele outrora viveu».
Com o nome “Demitindo um cabra macho”, e com uma outra versão, a história
foi repetida no livro Baboseiras
(1991, pág45), pelo autor Waldemar
Arcoverde.
O historiador Luís Wilson, no
citado livro, prossegue com outro causo do famoso capitão:
«Entre as muitas histórias que
contam de Budá (algumas, evidentemente, inventadas pelo povo), há também a
seguinte: Um dia, o capitão chegando em casa, do roçado, encontrou, no
alpendre, um indivíduo, com uma viola, identificando-se como violeiro
profissional e dizendo que ia tocar numa festa na Pedra, ou ali perto.
Budá não podia compreender ou
admitir que um homem, em vez de trabalhar na agricultura, por exemplo, fosse
violeiro de profissão. Mandou servir almoço ao cabra e boto-o, em seguida, para
tocar, o que envaideceu, sem dúvida, o pobre tocador.
Depois de uma ou duas horas, o
sujeito já estava de dedos doídos e quis parar. – “Não senhor”, disse o cap.
Budá, “a sua profissão é tocar viola e o senhor vai tocar mais um bocado”. Para
encurtar a história, o homem acabou de dedos pegando fogo».
Para os leitores que desejarem
acessar as matérias já apresentadas nesta seção desde 2009, apresentamos os links encurtados. Para fazer o download, clicar no ícone do canto
inferior direito.
2009:
Memória do rádio: https://jornaldearcoverdehistoriasregiao.blogspot.com/2020/03/jornal-de-arcoverde-novembro-de-2009.html Outubro.
2010:
Olhando para trás. https://jornaldearcoverdehistoriasregiao.blogspot.com/2020/03/olhando-para-tras-artigo-especial-pedro.html Março.
Os filhos de Francisco: https://jornaldearcoverdehistoriasregiao.blogspot.com/2020/03/os-filhos-de-francisco.html Julho.
Sertânia no tempo de Alagoa de
Baixo: https://jornaldearcoverdehistoriasregiao.blogspot.com/2020/03/sertania-no-tempo-de-alagoa-de-baixo-e.html Agosto/setembro.
A Great
Western: https://jornaldearcoverdehistoriasregiao.blogspot.com/2020/03/a-great-western.html Outubro.
Documentos em registros de
cartórios e assuntos afins: https://jornaldearcoverdehistoriasregiao.blogspot.com/2020/03/documentos-em-registros-de-cartorios-e.html Novembro/dezembro.
2011:
Controvérsias no histórico de
Arcoverde: https://jornaldearcoverdehistoriasregiao.blogspot.com/2020/03/controversias-no-historico-de-arcoverde.html Janeiro/fevereiro.
Qual foi o berço de Arcoverde: https://jornaldearcoverdehistoriasregiao.blogspot.com/2020/03/qual-foi-o-berco-de-arcoverde.html Março/abril.
Médicos de bem antigamente: https://jornaldearcoverdehistoriasregiao.blogspot.com/2020/03/medicos-de-bem-antigamente.html Maio/junho.
Contribuições para um novo
histórico de Arcoverde: lhttps://jornaldearcoverdehistoriasregiao.blogspot.com/2020/03/contribuicoes-para-um-novo-historico-de.html Julho/agosto.
Nossa Senhora da Conceição da
Pedra: https://jornaldearcoverdehistoriasregiao.blogspot.com/2020/03/nossa-senhora-da-conceicao-da-pedra.html Setembro/outubro.
A vida nas fazendas primitivas
do sertão pernambucano: https://jornaldearcoverdehistoriasregiao.blogspot.com/2020/03/a-vida-nas-fazendas-primitivas-do.html Novembro/dezembro.
2012:
Muirá-Ubi. Quem?: https://jornaldearcoverdehistoriasregiao.blogspot.com/2020/03/muira-ubi-quem.html Janeiro/fevereiro.
Bicentenário de Olho d´Água dos
Bredos. Um século da ferrovia a Rio Branco: https://jornaldearcoverdehistoriasregiao.blogspot.com/2020/03/2012-bicentenario-de-olho-dagua-um.html Março/abril.
A vida no sertão nordestino no
início do século 19: https://jornaldearcoverdehistoriasregiao.blogspot.com/2020/03/a-vida-no-sertao-nordestino-no-inicio.html Maio/junho.
Primórdios do sertão nordestino: https://jornaldearcoverdehistoriasregiao.blogspot.com/2020/03/primordios-do-sertao-nordestino.html Julho/agosto.
Pesqueira. Terra do doce: https://jornaldearcoverdehistoriasregiao.blogspot.com/2020/03/pesqueira-terra-do-doce.html Setembro/outubro.
Cimbres. O começo de tudo: https://jornaldearcoverdehistoriasregiao.blogspot.com/2020/03/cimbres-o-comeco-de-tudo.html Novembro/dezembro.
2013:
Mais algumas informações sobre
a antiga Pedra: https://jornaldearcoverdehistoriasregiao.blogspot.com/2020/03/mais-algumas-informacoes-sobre-antiga.html Janeiro/fevereiro.
Cine teatro Rio Branco: https://jornaldearcoverdehistoriasregiao.blogspot.com/2020/03/cine-teatro-rio-branco.html Março/abril.
As irmãs do cardeal Arcoverde: https://jornaldearcoverdehistoriasregiao.blogspot.com/2020/03/as-irmas-do-cardeal-arcoverde.html Maio/junho.
Mais anotações sobre o
histórico de Arcoverde: https://jornaldearcoverdehistoriasregiao.blogspot.com/2020/03/mais-anotacoes-sobre-o-historico-de.html Julho/agosto.
Retratando Arcoverde: https://jornaldearcoverdehistoriasregiao.blogspot.com/2020/03/retratando-arcoverde.html Setembro/outubro.
Brito-Freire. Gente braba: https://jornaldearcoverdehistoriasregiao.blogspot.com/2020/03/brito-freire-gente-braba.html Novembro/dezembro.
2014:
Mapas antigos: https://jornaldearcoverdehistoriasregiao.blogspot.com/2020/03/mapas-antigos.html Janeiro/fevereiro.
Posse do primeiro prefeito
eleito de Rio Branco: https://jornaldearcoverdehistoriasregiao.blogspot.com/2020/03/posse-do-primeiro-prefeito-eleito-de.html Março/abril.
O historiador Luís Wilson: https://jornaldearcoverdehistoriasregiao.blogspot.com/2020/03/o-historiador-luis-wilson.html Maio/Junho.
A ascendência nordestina: https://jornaldearcoverdehistoriasregiao.blogspot.com/2020/03/a-ascendencia-nordestina.html Julho/agosto.
Alguns causos do sertão [este]:https://jornaldearcoverdehistoriasregiao.blogspot.com/2020/03/alguns-causos-do-sertao.html Setembro/outubro
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